A pernambucana Noélia Ribeiro mora em Brasília desde 1972. Graduada em Letras na UnB, a poeta publicou os livros Expectativa (1982); Atarantada (Verbis, 2009); Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada (Penalux, 2017). Tem poemas em antologias, jornais e revistas virtuais. Em 2017, recebeu da SECULT-DF o Prêmio FAC – Igualdade de Gêneros na Cultura e integrou a Mostra Poesia Agora, no Rio de Janeiro. Em 2019, participou do projeto Vitrine Literária, realizado pelo SESC-DF.
Instagram: @noeliaribeiropoeta / Email: [email protected]
C3H6OS
Chore.
Chore até soluçar. Permita
que a mobília desmorone. Leia
um poema de Paulo Henriques Britto. Ouça
Dolores Duran no Spotify. Corte
uma ou duas cebolas na cozinha.
Elas exsudam abandonos antioxidantes.
Prenda, então, a lágrima com chave
espartana, como fez dias atrás, e
caminhe pelo centro da cidade.
Os miseráveis conseguem cortar cebolas sem chorar.
NADA EM TI ME SURPREENDE
Nada em ti me surpreende
Conheço teu contorno
teu sotaque
teu afeto
Sei do calor
de tuas mãos
conchas onde guardo
meu segredo
Deitada à sombra
de teu corpo
sou nascituro cego
incompleto
Nada em ti é cedo
DE MALAS PRONTAS
Desligar as luzes
Fechar as janelas
Trancar a porta
Abrir a bagagem do desconhecido
e desorganizar sentimentos…
Viajar é perscrutar a casa
que levamos dentro
A FORMA DA ÁGUA
O amor abissal,
em sua forma genuína
e sob a vigilância
de cavalos-marinhos,
não está ao nosso alcance.
A nós humanos cabem
as chamas da Quimera e a
falsa profundeza do romance.
GUERNICA
Há um quê de desumano em meu abraço
Não percebe?
Possuo destroços em lugar de órgãos
infortúnios de um tempo sem pecado
o traço de Picasso na face
e nas extremidades pequenas avarias
Creia:
houvesse algo entre nós, desmoronaria