Rosana Piccolo, publicitária e poeta paulistana, atualmente em Curitiba. Autora dos livros Ruelas profanas (Nankin, 1999), Meio-fio (Iluminuras, 2003), Sopro de vitrines (Alameda, 2010), Refrão da fuligem (Patuá, 2013), Bocas de lobo (Patuá, 2015), além da plaquete O pão (Lumme, 2017). Organizadora da antologia MedioCridade (Laranja Original), ao lado do poeta Rubens Jardim. Participação em diversas antologias e revistas literárias.
I
vezes a górgona
o venenoso cabelo
vezes a amêndoa vermelha
na palma dos ressuscitados
vezes um dente da lua
cavalo celta, crânio-pingente
vezes o fole de um acordeon
lata de peixe
fiação
vezes o coro do vento
vezes nada
só o pensamento das árvores negras
II
o lobo passa
pelo bairro desembesta
forma lhe dá o vento
e a gola e a motocicleta
suicida-se a rua em salas de estar
likes e flanelas
manobras acusam o freio sanguíneo
às câmeras, olheiras de portarias espiãs
(cobrem a noite de roxo)
ele desata a veia feroz
e entrega o uivo
III
daqui posso ver a dançarina
e a veia saltada da estrela
na boca dos violões
posso ver o prato
e o profeta degolado
(a língua da víbora)
mesas
: toalhas
cuja estampa
são olhos em carne viva
IV
o ventilador
ele é a hélice de deus
tudo o que toca é a opus do vento
godivas enfunadas na cortina
a asa do ganso reclusa
nos travesseiros, felpas
falenas, tapete ao lado da cama
com franja
e
vocação para mágico
V
creio na sereia das esquinas
oculta na tragada do cigarro
que guardo entre os seios
na sereia rueira
creio no círculo
na equação devir-memória
escrita
na palma da mão
quero a sereia inconformada
quando na praça pousam cegonhas do frio
Rosana: vc é uma bela e co mpetente poeta. Mas essa seleção me deixou arrepiado e absolutamente encantado. Parabéns.
Um arrebatamento!!! Amei.
Poesias fortes, entrelinhas gigantes.
excelentes versos!