Félix Alberto Lima é maranhense, 53 anos, autor dos livros de poesia O que me importa agora tanto (7Letras, 2015), Filarmônica para fones de ouvido (7Letras, 2018) e Nas profundezas desses olhos rasos ((7Letras, 2020). Em prosa, escreveu Almanaque Guarnicê (2003), Chagas em pessoa (2005), Um pouco mais de mil palavras (2016) e Maio oito meia (2017).
DESCALÇOS NO ÚLTIMO VAGÃO
vem comigo
vamos correr mundo
invadir os becos
cultivar as sobras
o refugo das palavras
que os sábios abandonam
na periferia
vamos remexer no lixo
nos monturos baixos
sob as galerias
pelos matadouros
e feito lazarentos
mendigar às portas
pratos de poesia
ÓLEO SOBRE TELA
rega teus olhos
com um feixe de poema e amarrilho
afaga a espátula ainda úmida
que molha de azul o chão
escuro mar tecido em ondas
pelos sopros de apolo
e crava a luz nos óleos de goya
feito saturno em fúria
devorando restos do passado
como a um filho
ODE AO MUNDO LÁ FORA
se fosse solidão
eu saberia
mas no fundo
é só uma casa
dentro de mim
vazia
de tanta multidão
QUANDO ENFIM ELA CHEGOU
morri ontem às duas horas da tarde
mas era noite
não houve outro jeito
estrebuchei
antes de perder a alma
enquanto ela concupiscente impiedosa
rastejava em meus lábios
feito musgo em pedra quente
mas era noite
e fomos em vida sem versos
filhos da mesma malta
vampiros degenerados
com bolsas de sangue entre os dentes
AUTORRETRATO INVEROSSÍMIL
agora sou como muitos
cheio de solidão e vício
a vida como quem sabe de cor
o primeiro disco de coltrane
a cabeça decepada de murdoch
um feixe da luz de mercúrio
o vaso de flores em derredor
o chão (claro tom) úmido do éden
agora sou como tantos
os santos que arrancam versos
das vísceras de um homem bom
Gostei demais…onde posso ler mais seus poemas eletronicamente?