Silvana Guimarães. Escritora, nascida em Belo Horizonte/MG, onde vive. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, foi pianista e especialista em transporte público. Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte e do coletivo Escritoras Suicidas. Revisou e organizou incontáveis livros de poesia alheios. Participou de várias antologias poéticas nacionais e estrangeiras. O corpo inútil (no prelo) é o seu primeiro livro de poesia. Provavelmente, o único.
turista
um dia em florença
depois de david
fomos às compras
dentre velharias
a gaiola com um
pássaro que canta
uma longa caminhada
e o vento arrastando
folhas lenços chapéus
na porta do hotel falta
uma sacola justo a da
gaiola [o pássaro mudo]
você sobe eu venho logo
sempre fui a mais fugaz
na volta quando saio do
elevador e vou abrir a
porta do quarto há um
estrondo: apaga a luz
começa o largo berreiro
dos hóspedes no breu
não enxergo o nariz
[nada além da solidão]
um arrepio me alerta
talvez a morte seja isso:
um corredor escuro
uma porta trancada
gritos intraduzíveis
uma gaiola na mão
nova primavera
minhas mãos pacientes plantaram
seus cabelos vermelhos no jardim
nasceram estrelas & vaga-lumes
como a outra enlouquecida tornei
a ver dois céus de purpurina prata:
você entre as avencas e glicínias
dia sim dia não arranco o que lhe sobra
uma vez na vida outra na morte
sou feliz como não me lembro mais
a poética do ouro
[arremedo de bandeira]
eu vou lançar a teoria do poeta olímpico
em cuja poesia há o desejo indisfarçável da glória
: os píncaros dela
sísifo moderno todo dia arranhando o próprio recorde
vai o varapau da pá virada sem outra ocupação que não
o treino: de olho nos poetas adjacentes
[suspiro para o patrocínio: ele expande seus 170 cm]
concentrado na única coisa que consegue enxergar:
a medalha dourada como se estivesse presa
na ponta de um pau sobre a sua cabeça
a cenoura do burro que ele nunca alcança
mas segue como um cego até o pódio
onde os louros vão coroar sua cabeça
[todavia c’est la vie: nem sempre rose]
nem bronze nem prata só o desespero:
o poeta não vai desfilar em carro aberto
quando voltar para a sua cidade
o corpo em petição de miséria
não será ilustração do jornal nacional
uma pausa uma rima ele implora
[compaixão: pra cuidar de sua saúde mental]
a quimera
o baile a dança do fogo
o fogo de palha o mormaço
a sarça ardente: as asas
os olhos que anoiteceram:
quartzo rosa rosa dos ventos
era tanto ardor para tão pouca:
poesia trágica poesia
morria enquanto alguém
abria uma janela
o santo era de barro
o passado: incontornável
quando acordou
era uma estátua de sol
os passarinhos
alheios à maldade do mundo
profetizavam o dia novo
revisão
dar pão a quem tem fome
água a quem tem sede
desviar balas perdidas
adotar animais de rua
acolher pessoas de rua
enterrar a palavra racismo
soterrar a palavra homofobia
sepultar a palavra ódio
revogar a palavra violência
anular a palavra crueldade
[arrancá-las do dicionário]
corrigir os erros de deus
emaranhados
o tempo o verbo o verso & o reverso: o tempo
os anjos as feras os vermes os seres humanos
a merda o fel a lepra o ovo a clara & a gema
a dracena a verbena a begônia & a calêndula
o tempo: senhor da ação: adormece cicatrizes
devoraignora a memória que o tempo não sara
o tempo: um deus surdo & vingativo: o tempo
[a palavra: esse coágulo no peito & na língua]
Poemas incríveis! Cadê o livro dessa autora espetacular?
Obrigada, Cassiana. Adorei o exagero: espetacular. 😉
O livro vem em breve.
Um beijo!
Não me surpreende a maravilha dos poemas de Silvana Guimarães; seu talento eu conheço de longa data, já que atuamos juntas no setor de transporte coletivo e ela tinha o dom de transformar uma simples CI (comunicação interna) em algo estiloso, criativo, gostoso de se ler, às vezes recheado de um humor sutil, típico de sua inteligência arguta.
Que maravilha, Silvana!
Louca para ouvir o som dos versos no papel.
Gracias, Adriana.
Fico feliz.
E espero que ele não desafine. 😉
Um beijo!
Silvana, bom saber que a poesia ainda tem voz e consegue usá-la tão bem.
Nossas vozes, Raul.
Obrigada, um beijo!
Encantado com essa seleção maravilhosa, sobretudo impactado com a visão final descrita no poema “turista”. Parabéns, que venha logo seu livro
Fico feliz, Samuel.
Muito bom quando um poema pega o leitor pela mão e vai com ele.
Gracias, um beijo!
Parabéns, Poeta Silvana! Belíssimos poemas!
Obrigada, France.
Fico feliz com a sua leitura.
Um beijo!
Sempre foi a “The best”!
Que venha este livro logo!
Pela impaciência e pelo “The best”, sou capaz de adivinhar que Marta é essa. 😉
Gracias, querida.
Um beijo!
Sil, querida. Eu amei amei! Depois quero comprar o livro. Beijo.
Obrigada, Helena.
Tão bom ler isso.
Um beijo!
Tão maravilhoso.
Quando acordou
era uma estátua de sol.
Que sacação!
A poesia de Sil transita, com desenvoltura, pelas alamedas do cotidiano e os céus do fantástico. Com breve passagem pelos becos fétidos de uma certa pátria (des)a(l)mada. Com uma linguagem transfigurada, retrata o simples e o torna onírico. Versos de quem sabe o que fazer com a palavra. Salve Sil!
Gracias, Ricardo.
Você me faz muito maior do que sou.
E me alegra.
Um beijo!
Um caracol é avesso aos minerais
sob sua carapaça, esse tipo leva a casa
nos ombros, a casa, germinando
vai dos avessos e avulsos da psicanálise
às entranhas da mesmice, vai
do cão uivando para a rua
à metástase e à astúcia da mímese.*
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É de se admirar o longo trabalho da Equipe GERMINA LITERATURA. Daqui, de Bêagá, às vezes, ouço coisas… Um abraço à Equipe REVISTA ACROBATA.
Nossa, quanta beleza nos poemas de Silvana… Parabéns!