8 Poemas de Matheus Hotz

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Matheus Hotz é poeta, oraculista e professor, formado em Letras pela UFJF em um ano longíquo, escreveu O Dia do Búfalo (2018, Edições Macondo) e Eva Vai ao Sexshop (2023, Capiranhas do Parahybuna). 


MADAME BABILÔNIA

com as espadas sobre as escápulas
madame babilônia me coroa de cortes
faz calor o metal estala sou criança
tudo no mundo derrete ao som
da madre prostituta perco o sono
temo que ela me rasgue a garganta
perdoa pai o pecado é real demais
angústia demais pesa balança
com as espadas sobre meus olhos
repito as histórias que madame contava
a taça de sangue o reinado da besta

quando anos depois a encontro
dez espadas sobre os seios vermelhos
aceito que o desejo é inevitável


[COM OS DEDOS NAS FACAS]

com os dedos nas facas perdoar o passado
com os dedos nas facas mirar bem entre teus olhos
não jogar, reservar o fio
com os dedos nas facas perdoar a mim
deixar amanhecer os pulsos

com os dedos nas facas
entalho na carne
fiz o que pude
você também

acabou


[COM AS MÃOS SOBRE MINHA CABEÇA]

com as mãos sobre minha cabeça
madame me tece a grande noite
um cavalo um cálice o calor do mel
o suor os homens relinchando a lua
o passado babilônia as torres caem
as espadas o sangue e a prostituta


TATUAGEM

é estranho, insensato até
pedir a um corpo que esqueça
a profundidade a dor do corte
para receber outra vez
por cima da carne fraca
a língua da lâmina


DESTERRO

um homem nunca foi minha casa

para meu pai um pai nunca
foi sua casa
para o pai do meu pai uma casa
nunca foi um homem
a terra é mãe e um pai nunca foi
terra

um homem um dia invadiu minha casa
para me dizer quem eu era
queimou os móveis
pintou as paredes
cor da sua carne
e fez o que sabia fazer
chamou de casa aquilo
que arrancava do outro

a minha casa nunca será

a casa de meu pai
do pai de meu pai
dos pais dos homens
pela fresta da porta
seus olhos imploram
deixem-me entrar

a minha casa

é um corpo sem gênero
feito alma imensa
ergue a memória
dos homens
antes de mim

homens sem casa
homens sem corpo
homens sem desejo
homens escondidos
na casca de homens
desterrados de si mesmos

a minha casa é um templo em chamas

pertencer é um incêndio


BELZEBU APAIXONADO

ainda que eu falasse
a língua dos homens
tudo que falo
é a língua das moscas
o amor é paciente
o amor é generoso
o amor te engana
por seis meses
pois você feriu
seu ego frágil
sua ferida de homem
o amor comeu meu nome
minha identidade
meu retrato
só não me comeu
me deixou
a escrever poemas


[PARA A CASA NUNCA SE VOLTA]

para o Diego

para a casa nunca se volta
inteiro os pedaços se vão
embora você me diga permanece
a mesma a casa eu penso que não
uma casa se constrói no peito
somente no peito aberto
uma casa se constrói nos braços
de alguém em suas tatuagens
entre os cílios as agulhas nas unhas
uma casa é difícil de deixar mas ela
não está necessariamente entre as paredes
ou na cama que durmo no quarto de tv
para a casa nunca se volta
os pedaços se vão o tempo desgasta
eu não sou o mesmo nem você
nossas casas se desfazendo
naquele abraço e agora
dois homens sozinhos
na rua


FERNANDA TORRES

um cover de drew barrymore , sza

a festa acabou e mandei todos embora
saiba que tenho
dos meus manejos
para não desagradar
saiba que quando
a festa acabar
e eu estiver sozinho
vou suspirar e dormir
herdei de minha mãe as mãos pequenas
suas linhas confusas
do meu pai herdei seu percorrer
do meu bisavô os deuses
mesopotâmicos
e a festa quando acaba me deixa pensando
o que o mundo herda
das minhas mãos?
é normal assim
depois das cervejas e dos cigarros
é normal
guardar entre os molares a insegurança
odiar a si mesmo
na dose homeopática da juventude
é normal rir
odiar a festa a gente bonita e ajustada
fumam e nem tossem
não engasgam
a vodca não queima a garganta
porra
minha mãe me disse
que eu era bonito mas eu quero
é ser descolado
enquanto o dia não chega
eu finjo que entendo a piada
aceno
vou rir
mando todos embora
quando fico sozinho tenho duas mãos
uma pega o isqueiro
a outra pega a palha
trago fundo
e tusso

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