Aos Primeiros Dias – 8 Poemas de Adriano Lobão Aragão

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Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, Piauí, em 1977. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Professor de língua portuguesa do Instituto Federal do Piauí. Trabalhou como assessor pedagógico da Editora Saraiva. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a própria lança na rude batalha em que morra, pela Fundac. Seu livro Yone de Safo foi agraciado em 2006 com prêmio Torquato Neto instituído pela Fundação Cultural do Piauí e publicado pela amálgama no ano seguinte. Publicou ainda as cinzas as palavras (amálgama, 2009) e, em 2012, lança seu primeiro romance, Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança). Em 2017, publicou Os tempos e a forma (Desenredos), poesia reunida, contendo os livros de poemas anteriores e o inédito Entre áridos anseios dispersos. Em 2019, publicou o livro de poemas e fotografias Destinerário (Desenredos) e a segunda edição de Os tempos e a forma (Desenredos/FCMC), incluindo o inédito Ainda havia carambolos nos muros. Atualmente, edita a revista eletrônica Desenredos http://www.desenredos.com.br/


aos que aqui primeiro plantaram
uma cruz onde há mortos

Lembremos hoje os nomes de Francisco
Pereira Pinto e Luís Figueira, padres
acompanhados de índios tabajaras,
seguindo a barco para Jaguaribe.
Lembremos a submissão tabajara
que fiéis guiavam os homens de fé
por lentos dias pela sombra da selva,
onde a semente europeia buscava
abrir este caminho pela fé.
Haveremos de revelar a face
iluminada de Deus ao gentio.

De Jaguaribe ao Maranhão, o caminho
da verdade por terra deve ser.
Seguem Pinto e Figueira carregando
uma cruz para além daquela serra.
Carajirus, Caratiús ou Crateús,
eram estes os senhores da terra
pela rústica expedição invadida
como primeiro objeto de domínio.
Marca-se a reação crateú com a morte
de Francisco Pinto e três tabajaras.
Restou-lhes o retorno a Pernambuco.

Maldito o ano de mil seiscentos e oito
pelo sangue de um padre derramado
que uma nação apagada não redime.
Recaia sobre os Caratiús a vingança
pela mão dos aliados tabajaras.
Haveremos de entregá-los à Deus.

Aos sobreviventes deste extermínio
o constante contato com colonos
em encontros cada vez mais hostis.
Estrangeira mão renova-se armada
buscando estabelecer o direito
de posse de terras, de homens e de almas.

Lembremos aqui todos os que com sangue
marcaram os passos de seu caminho.


aos que fizeram guerra ao gentio
bárbaro da nação crateú e crateú-mirim

Dispersas as sobras
do dízimo do extermínio
resta a um povo a odiosa alcunha
de gentio bravio

por ordens de Pernambuco
capitão Bernardo Coelho de Andrade
tem por missão a guerra
a todos os sobreviventes
Crateús, Crateús-Mirins
cem anos após a morte
do primeiro estrangeiro

lavrado o campo
entre as sobras das sombras
sobre as cinzas se busca firmar
uma vila do Príncipe Imperial
uma vila da Independência
e plantar o esquecimento


aos rios do Piauí

Ai rios do Piauí
corre o sangue dos tapuias
como tuas águas

ai rios do Piauí
diferente de tuas águas
outro rumo
o sangue dos tapuias toma
só à terra retorna

ai rios de sangue do Piauí
água pesada na memória

a) longá

beberam destas águas este povo
que nelas deixaram seu nome
derramado nas águas
onde se espalharam seu sangue

temporário, forma inúmeros alagoados
na época das chuvas

não navegável, recusa as dimensões
da navegação europeia

b) Marataoã

padre Miguel Carvalho ante o rio Marataoã:
do ano de mil seiscentos e noventa e sete
restam poucos indícios

nem leitos de piçarra
nem bons banhos na Ilha dos Amores

só um religioso e seus escritos
nenhuma canoa

c) Piracuruca

antes da explosão das armas estrangeiras
o estrondo da guerra vinha de garganta humana

um tabajara podia ouvir o ronco dos peixes

antes do aldeamento São Francisco Xavier
abafar os sons da natureza
pois melhor se fixa
a doutrina religiosa
a disciplina militar

d) Jenipapo

vinham do Ceará os tapuias Jenipapos
pequena tribo entre Potis e Longas

vinham do Ceará ao Maranhão
engrossar as fileiras militares
aliciadas para a guerra
contra o gentio maranhense

ainda em mil setecentos e doze
ainda na capitania do Piauí
um padre prega outro destino

frei Euzébio Xavier Gouveia
induz Jenipapos à fuga

por ordem do Conselho Ultramarino
pela ordem e prosperidade da guerra
um padre desta capitania é expulso

aliciados e espoliados
desertores desta luta
invasores de fazendas
desaparecidos desta terra

resta um nome no rio
que ainda assistiria em suas margens
portugueses e piauienses em batalha


ao terror que o nome Mandu Ladino
inspira em seus opressores

seria filho de mestre-de-campo?
seria educado por jesuítas?
seria índio doméstico em Pernambuco?

à frente dos combates
às margens do Rio Grande dos Tapuias
seria conhecido Ladino

mas uma Carta Régia agradece
em 14 10 1718 a Manuel Peres
o bem com que se houve
no extermínio dos índios
junto à vila da Parnaíba


apontamentos do recenseamento de 1697

André Leitão Abreu
morava na fazenda Cachoeiras
no rio Piauí
com 1 negro

Antônio Afonso
morava na fazenda Lagoa do Jacaré
no rio Mocaitá
com 1 negro

Manuel Rocha
morava na fazenda Alegreta
no rio São Vicente
com 2 negros

negro Domingos Afonso
morava na fazenda Saco
no rio Tranqueira
com 1 negro, 1 mestiço e 1 mulher

Antônio Álvares
morava na fazenda Vitória
no rio Vitória
com 2 negros
Domingos Aguiar
morava na fazenda Belo Jardim da Cruz
no rio São Vítor
em companhia de sua mulher
Mariana Cabral
e de Domingos da Silva
com 4 índios e outra mulher

alferes Silvestre da Costa Gomes de Abreu
morava na fazenda Salinas
no riacho Tranqueira
em companhia de Inácio Gomes
5 negros
1 índio
2 mulheres
por patente régia 25 2 1704
foi confirmado capitão de cavalos do Piauí


aos rios do Piauí

a) Poti

índios tapuias
talvez vindos do Rio Grande do Norte
habitar as nascentes
doutro rio

atacados pelo cap. Domingos Rodrigues de Carvalho
expulsos para os lados do Maranhão

palavra indígena:
resíduo, fezes
o nome que em tupi se dá ao camarão

água que passa arrastando arraias
sem nome

b) Berlengas

no Novo Oriente do Piauí
na serra da Lagoa Funda
Banguê Buriti Mocambo
Vaca Morta
todos os outros afluentes
a mesma solidão
da fazenda que em 1697
abrigava apenas Dionísio Dias Pereira
e um negro

c) Canindé

periódico e não-navegável
o mais longo dos afluentes do Parnaíba
nele se mergulha em sua margem direita
vindo do nascente

em Campinas do Piauí a sua margem direita
tem a Fome e a Volta
por afluentes

18 9 1832 Conselho Geral da Província
o engenheiro Pedro Cronemberger
é incumbido da desobstrução
de suas cachoeiras

15 10 1834 nova resolução
destruir 6 cachoeiras que impedem sua navegação
trabalho incompleto para o mesmo engenheiro


e que o vindouro indigitado absorto
dissesse: “ali morreu o afoito Ovídio”

eis o templo de Amor que anelas
cubram os templos teus, um Deus namora
o teu trono será sempre ladeado
com torvo aspecto ingratidão impura
minha manada, que naquela altura
tu não ames, Pastora, a quem te aclama

eis o templo de Amor que anelas
que a vida sem amor, se é vida, é triste
já saciado estará teu braço cruento
por não me unir contigo em doce enleio
tomastes em testemunha aquela gruta
a promessa de amor, que inda se escuta

eis o templo de Amor, do Deus, que anelas
de sangue rios mil cortam o Templo
vivas entranhas com fatais tormentos
são mais os ais, são mais gemidos, brandos
tens dois seres, que o tempo não abate

eis o templo de Amor, do Deus, que anelas
de festões de prazer cobriu-me a fronte:
a minha, também tua, inculta aldeia
ah! Pastora, Pastora, acaso ignoras
se uma gruta me desse em que por ela
o silêncio reinasse sempre mudo


ao ouvidor geral de 1732

canção de amor cantar eu vim
mas agora, de nomes e de usança
novos e vários são os habitantes
Cardoso Balegão, sargento-mor
este que em companhia de escravos fugidos
este que semeou sangue nos sertões do Piauí
estes Pedro Barbosa Leal e Manuel de Sousa Pinheiro

canção de amor cantar eu vim
mas o ouvidor geral repete
que as mortes não eram naturais

como não era natural que
Antônio Pedro Nunes, advogado
secretário interino do governo
seja assassinado para os olhos de Oeiras
bárbaro e público
no esquecido dia 13 9 1803

e que no ano seguinte
a um homem assassinado
tenha as mãos cortadas
e uma delas pendurada
no badalo do sino da igreja
em Piracuruca

se dos registros de 1694
sendo 16 pessoas mortas
apenas uma por enfermidade

mas agora, de nomes e de usança
novos e vários são os habitantes
se no ano da graça de 1845
o júri julgou 58 crimes
1 de moeda falsa
1 contra a liberdade individual
4 de ameaças
3 de furto
1 de estupro
2 de porte ilegal de arma
23 de lesões corporais
23 de homicídios

canção de amor cantar eu vim, Musa
mas não mais que a lira tenho destemperada
e a voz enrouquecida

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