por Márcio Silva
Três porcos é o mais novo romance de Marcelo Labes, recentemente publicado pela Caiaponte edições. A qualidade deste trabalho é impressionante e se revela já desde a capa, lindamente ilustrada por uma aquarela do grande artista Nestor Júnior.
A narrativa se desdobra em torno da temática do abuso sexual infantil, este assunto que, desde muito, nos é tão caro. Eis um texto que desestabiliza estruturas, que promove deslocamentos, tanto no sujeito-leitor, quanto no funcionamento do discurso literário, porque põe em xeque, inclusive, toda noção de ordem que se pretenda impor sobre os processos de construção de um texto narrativo.
Enquanto Rafael, o protagonista, enreda seu plano de vingança contra aqueles porcos abusadores que, sem pudor, atentaram contra sua ingenuidade de garoto em tenra idade e assim acabaram por desestruturar a constituição da sua subjetividade, Marcelo Labes (ex)põe aí não só as próprias vísceras, mas também as nossas. Porque sim, “somos todos uns porcos” e alguns (não são poucos), mesmo já mortos desde muito, ainda insistem em grunhir.
Mais que um romance, um tratado sobre como (r)existir bravamente neste mundo onde a lavagem jamais é distribuída de forma justa, onde por todo canto há porcos ávidos por um gamelão repleto de restos e que, na falta de, são incapazes de reconhecer-se sujeitos-imundos, mas mostram-se sempre dispostos a agir se (im)pondo uns sobre os outros, em busca de algo (ou alguém) que possa lhes nutrir, mesmo que para tanto se obriguem a chafurdar mais e mais, ora na lama que se forma abaixo de seus pés, ora no próprio estrume que produzem, dia após dia.
Trata-se, portanto, de uma leitura mais que necessária. Ela é urgente, pois nunca se sabe bem ao certo quantos porcos podem estar à nossa volta e também porque, agora, três porcos fez não restar dúvida de que, dentre tantos, muitos (muitos mesmo!) são bem traiçoeiros.
Marcelo Labes, natural de Blumenau-SC, é autor de diversos outros livros, dentre eles, o romance Paraízo-Paraguay (Caiaponte Edições, 2019), segundo colocado no Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Na poesia, destaca-se Enclave (Patuá, 2018), obra finalista do Prêmio Jabuti em 2019.
Márcio Silva, nascido em 1976, é natural de Florianópolis-SC, cidade onde reside desde sempre. Enquanto sujeito apaixonado por arte e literatura, escreve alguns poemas e, dentre outras coisas, é professor licenciado em Física e doutor em Ciências da Linguagem.