Edner Morelli*
Como esse livro “cada um ao seu modo” de Marcelo F. Lotufo, publicado pela Jabuticaba – São Paulo (2020), passa (em distância) de uma literatura dentro dos ditames convencionais do gênero conto, optei, então, por uma resenha ao sabor da obra. Aqui, leitor, não encontrará uma breve apresentação crítica dos cinco contos, a saber: O Tempo dos Beija-flores. Nora Helmer. Passacaglia Literária. Pássaro Rebelde e Dia Nublado. Algo que o posfácio de Vilma Arêas o faz com perfeição. Vou me ater ao primeiro que, de minha preferência, é o mais filosófico e ensaístico. O texto é composto por vinte e três fragmentos e já começa com um ativo filosófico “voam, logo existem”. Essa máxima me faz lembrar, claro, Descartes, mas numa espécie de espelho invertido, enquanto este parte do pensamento para incrustar sua existência, Lotufo inverte o papel, partindo de algo concreto para tal finalidade. Ainda podemos lembrar de Aristóteles com sua Filosofia cosmológica em que tudo na natureza possui uma finalidade, ou seja, ato e potência fazem-se no voo parado e refletido do Beija-flor. Enredo, Tempo, Espaço, Personagens são engolidos pelas reflexões metafísicas do conto. Como se o Beija-flor, um elemento natural, abrisse portas para devaneios críticos de alcance filosófico. Erigindo questões que Nietzsche e Fernando Pessoa já salientaram sobre os limites da linguagem, fiquemos com esse trecho “quantos nomes podem ter a mesma coisa? O mesmo sentimento, a mesma pessoa? Ou seja, a linguagem preenche as essências?” Em outro momento evoca-se um tom memorialístico e familiar. A Infância… E agora, depois do Avô morto, sua Avó: “não era mais a mulher que criara quatro filhos sozinha”. Ainda relembra sua atividade de professora universitária. Tudo agora penetrado pelo Alzheimer. Kierkegaard define Angústia quando não sabemos a opção para deliberar as ações de nossas vidas (a Dúvida), em outras palavras, que vida eu devo levar? Lotufo reflete sobre esse tema entremeado pelo problema da linguagem, ouçamos “Às vezes é muito difícil dizer o que queremos (…) Às vezes é preciso até mesmo se perder. Ou, talvez, não dizer nada. Ou dizer tudo, menos o que realmente queremos dizer. Às vezes nem mesmo importa o que dizemos; mas, às vezes, faz toda a diferença”. E não temos como não lembrar de Platão e sua teoria dualista do sensível e inteligível ao lermos essa belíssima reflexão: “Mas estar presente nem sempre é uma solução. Achamos que tudo está compreendido, translúcido na nossa frente, quando na verdade não sabemos o que vemos ou vivemos”. Síntese sugestiva do Mito da Caverna. Bom leitor, paro por aqui. Apenas fiz uma tentativa de iluminar a obra inteira com estes meus apontamentos. E não por acaso, esse livro foi um dos finalistas do prêmio Jabuti, com todo mérito que esse feito pode conter.
Edner Morelli (1978), poeta e professor, natural de São Paulo, capital. Formado em Letras, graduando em História e Filosofia. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Estreou em 2002 com o livro Latência (A-temporal – SP) . Seu segundo livro, Hiato de 2012, foi publicado pela Terracota Editora – SP em parceria com o selo Musa Rara de Edson Cruz. Seu terceiro livro Cenário foi publicado pela Editora Kazuá-SP em 2017. O Seu último livro saiu pela Penalux em 2020, com o título de Líquido. (todos de Poesia). A Kotter Editorial assumiu a publicação de Cenas Nuas (para 2022), em parceria com a fotógrafa Karoline Dalecio, um projeto que envolve fotografia e poesia.
Resenha sintética objetiva e que cumpre seu papel pois provocou me a ir atrás do livro pra ler os contos