Filosofia do Ciúme – Um Conto de Jennifer Trajano

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Jennifer Trajano (PB), professora de Língua Portuguesa e revisora textual. Acredito ser a literatura um meio para a concretização das nossas utopias diárias. Essas que, como respondeu o cineasta Fernando Birri ao lado de Eduardo Galeano, servem para nos fazer caminhar. Autora do livro de poemas Latíbulos (Ed. Escaleras, 2019)


às vezes fico aqui pensando se você olha para as mulheres quando sai para correr na orla de cabo branco. imagino se as deseja e conto os homens iludidos que encaminham a íris até você. de fato, não sei se sinto-me mulher o suficiente para carregar todo o batom vermelho ou rosa choque, pois ainda há um fio entre as pernas que liga meu gênero a essa raça que amo, mas que me fez tanto mal, tirando você, claro. pus os seios para ficarem aqui a segurar o mundo. o seu não, o meu, até porque não tenho peito para competir com mulher de verdade. não tenho piso de salto para a natureza, então jogo a minha falta de cintura mesmo.

às vezes também fico pensando se você me tirou da sarjeta por pena, se queria preencher a bolsa que não tenho. o meu buraco é um só, e a bolsa que tinha era rodada. meu pai devia estar certo em ter desgosto de mim. deus criou o homem para a mulher, não foi? quem me pisa é a natureza.

eita, ele chegou, já não importa, que se dane a natureza. estou no topo da pirâmide. espero, apenas, que as bruxas não me cortem pelo fio. esse é a prova do meu pecado, o símbolo maior do quão ingrato é deus. não sei se sinto-me mulher o suficiente para carregar todo o batom vermelho ou rosa choque, pois ainda há um fio entre as pernas que liga meu gênero à raça que amo, e eu sei que você gosta dele.

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