De quando estive em Alto-Mar: Poemas de afogamentos e algumas mortes felizes

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Por Ana Rita Souza

O desejo é uma armadilha ardilosa. Pode ser feroz e também fugaz. Pulsa intensíssimo reafirmando a iminência da morte, essa força implacável. Em “De quando estive em Alto-Mar: Poemas de afogamentos e algumas mortes felizes”, Renata de Castro navega e convida-nos a navegar pelas águas caudalosas, potentes e, por vezes, intempestivas do desejo.

Seus poemas percorrem o corpo tal qual mergulham no mar: “ao sabor da maré/Fluindo em ondas/Vaza pelas bordas a transbordar”. Nesse ritmo descompassado, feito marulho, o movimento dos versos faz recordar a fusão dos corpos, espécie de celebração diante do fascínio manifestado pelo desejo da carne.      

Sob a metáfora de Hera, o desejo se espraia fecundo e faminto, revelando a si e ao outro, como já demonstra em seus primeiros versos: “um cio não é só//é o anúncio//– do outro”. Assim, se as pulsões evidenciam também a sede dos pares, é no que pulsa do corpo efêmero que a condição do desejo se revela, úmida e fatal, conforme arremata em um de seus poemas: “pelo afogamento temo/mas sigo/ mato-me ou vivo?”.

Nessa profundeza salina, “De quando estive em Alto-Mar: Poemas de afogamentos e algumas mortes felizes” nos apresenta o desejo inescapável, aquele capaz de solapar a suposta estabilidade dos interditos para dar vazão aos possíveis e inesgotáveis canais secretos de nós mesmos, capazes de avultar percepções, desordenar e reordenar códigos internos. Com efeito, Renata de Castro prenuncia o risco: “perigoso é o desejo/que como água/alimenta a si mesmo/evapora e chove/encharca e escorre”.

A intensidade desses poemas se dá mesmo nessa experiência entre escolha arguta das palavras, provocando cadência entre versos e corpos, e a imersão no “mar bravio” do desejo, proporcionando uma ressaca de transbordamentos. Portanto, o que nos resta, leitores, é singrar pelas “águas revoltosas” da poesia de Renata de Castro, certos de que “nenhuma fuga seca é possível”.    

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Ana Rita Souza é graduada em Letras-vernáculas e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Sergipe. Suas linhas de pesquisa se referem à erotismo e suas interfaces com pornografia e a literatura. Além disso, é editora e revisora do selo editorial Chita Cartonera desde 2017, em que também produz e confecciona livros nos moldes cartoneros.

Renata de Castro nasceu no Rio de Janeiro, em 1979, mas vive em Aracaju, Sergipe, há mais de 30 anos. Professora de Língua Portuguesa e Francesa, mestre em Linguística, atualmente doutoranda em Literatura na UFS e colunista na revista virtual Vício Velho, com a coluna Sibila, dedicada à autoria feminina. Tem três livros publicados: O terceiro quarto (Ed. Benfazeja, 2017), Hystéra (Ed. Escaleras, 2018) e De quando estive em Alto-Mar: poemas de afogamento e algumas mortes felizes (Ed. Escaleras, 2021). Teve alguns de seus poemas publicados em revistas virtuais, como na Crioula USP (2011); em uma edição especial da Gueto (2017), em diferentes edições da Barbante (2017 e 2018), na Vício Velho (2019) e na Acrobata (2020). Fez parte de algumas antologias: Antologia Poética Senhoras Obscenas (Ed. Benfazeja, 2016), Antologia Poética Damas entre Verdes (Selo Senhoras Obscenas, 2017), Antologia Poética Senhoras Obscenas (Ed. Patuá, 2019), sendo a antologia bilíngue de poesia contemporânea de escritoras brasileiras e cubanas Sem mordaça. Sin mordaza (2021) a mais recente.

E-mail: [email protected]. Instagram: @renatadecastro_

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