Djami Sezostre, O Pássaro Zero

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Por Ademir Demarchi, escritor e ensaísta paranaense.

Neste O pássaro zero Djami Sezostre retoma como motivo poético um dos temas recorrentes em sua obra – o da ideia de um pássaro singular, “zero”, aqui sugerido como “Urvögel”, ou seja, a Ave Original – mítica. A ideia dessa Ave, sempre multiplicada em sua escrita, nos vários livros que publicou (Anu; Arranjos de pássaros e flores; Pardal de rapina) se dá em disseminação também em O pássaro zero através da menção a inúmeras espécies de aves que habitam o sertão onde ele nasceu, nas bordas do Rio Paranaíba, e que é também uma fantasia em sua obra, a de ser um Lugar Original, mítico.

Assim é que neste livro esse pássaro se encanta, na segunda parte, de “colibri” e se multiplica na escrita do livro todo em sua ação de voar, cantar, e nos nomes de outras aves, como “rola”, “anu” e seu sinônimo “guira” ou “güyrai”, “maritaca”, “nhambu”, “canário”, “pardoca”, “pássaro estrela”, “tico-tico”, “perdiz”, “juriti”, “patativa”, “galo”, “rouxinol”, “pica-pau”, “urutau”, “urubu”, “pomba”, “pavão”, “tiziu”… “ícaro”.

A ideia de metamorfose, presente em vários poemas (um deles intitulado “MTMRFSEAOOE”), fenômeno natural do Sertão Original, dá-se também biograficamente na transmutação de Wilmar Silva para um exótico e ainda mais multicolorido pássaro Djami Sezostre, que vem se multiplicando em novos livros e performances, sendo essa outra de suas características fundamentais a que se associa o experimentalismo de linguagem, tanto na escrita quanto no veículo de sua circulação (livros-objeto, CD, mídias sociais, performances públicas, encenações, fotografias, coleções, antologias).

O Sertão mítico, lugar fantasioso de existência onde se configura sua poética, é também lugar de metamorfose dessa ave, original ou replicada em outras, que em dado poema se define como “pássaro país”, mas que pode também ser um fauno, um animal ou a sinonímia sexual de um “páççaro” ou “páççara”. Eis então que a ideia desse pássaro zero é também a ideia de um falo, um “falo-colibri”, ultrassexual, associado a encantamento, e também multiplicado em sinônimos como “pássaro”, “arqueiro”, “flecheiro”, “espinho”, “dardo”, “lenho-fátuo”… ou vagina, dada a possibilidade de metamorfose desse motivo sígnico (um “animal fantasia O pênis ao redor do sol”).

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o poeta Djami Sezostre

Se transparece nos textos uma sensação de acentuação fálica, masculina, no entanto as nuances de animalização, ambiguidade e metamorfose atenuam o discurso com versos repentinos em meio ao texto como “Ãon sei o contraste do meu corpo/ E o contraste do meu corpo no espelho// Ãon sei o meu sexo quando durmo/ Sozinho entre animais no curral”. A linguagem poética, assim, se beneficia com essa ambiguidade, pois se tem reforçada a expressão sensorial, imaginada como livre e corrente nesse Sertão mítico e singular da poética de Sezostre.

Curiosamente, esse sertão é inicialmente conformado por um referencial religioso através da citação de expressões próprias desse imaginário, como o próprio nome de Jesus, que aparece como personagem de um dos poemas, ou expressões como “lenho-fátuo”, “sagração”, “manás vindos do céu” (nuvens), “halo de Deus”, “aleluia”, “manás o sexo de jesus a”, “o ermo das onze mil virgens”… Esse sertão, que já se chamou Cachaprego, título de um dos livros de Djami Sezostre, assim como Onze mil virgens, é, portanto, uma sinonímia de Paraíso através dos vocábulos recorrentes que ele usa, como “natureza”, “fim do mundo”, “mundaréu”, “coivara”, “rupestre”, “ermo”…

No entanto, a escrita contumaz, de repetição e circularidade envolvendo essa temática, tem sido a de desconstruir essa origem religiosa transformando-a num outro paraíso, nesse Sertão Mítico, uma espécie de Ser-tão, que pode lembrar, mas faz questão de se distanciar na potência máxima, do sertão de Guimarães Rosa, que é o mesmo local geograficamente falando, na região do Rio Paranaíba. A subversão desse sertão se dá em sua poética também através da exacerbação do erótico e de uma sexualidade onipresente em todos os seres: “eusonhei queera aorigemdomundo/ eeutinha umabucetanaboca/ eeutinha umabucetanopau/ eeutinha umpaunocu” (“A mula de Lesbos”).

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Sezostre, assim, persegue a configuração de um outro sertão como origem do mundo e imagina uma simbiose de origem filial: pai~pássaro (“O meu coração e o coração da minha/ Mãe morta vivo no meu coração// O meu coração e o coração do meu/ Pai morto vivo no meu coração// O meu coração não existe// Pai, eu sou pai.” – “Eu sou pássaro”, tal como a fantasia de ser uma ave original, “Urvögel”, fálica e intensamente erotizada.

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