Tesouro de Harmonia

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por Caio Junqueira Maciel*

Ao ler o livro de poemas A mão é uma pista de voo, de Ana Paula Dacota (Editora Impressões de Minas, 2021) encontro uma poeta solar – ainda que muitos de seus textos tenham sido escritos na época da pandemia Covid-19. Além de uma poética ensolarada, que vê na “loucura/ bem-dosada/ cura”, seus textos, nada doentios, falam de jardim, de “orvalho que a noite deixou nas pétalas” e, contrariando o provérbio, diz que “passarinho/ que come/ pedra/ engasga/ cospe fora/ trina mais.” Sim, são poemas que apostam na esperança, no florir de setembro em que pese os secos ventos de agosto, esse mês que ela designa como interminável.

Poesia com humor, trocadilhando lagarta com a viking Lagertha, recorrendo a certo lirismo travesso e evocando a memória do amigo morto Conde de Travassos, esse pequeno livro ensaia grandes voos, principalmente na limpidez do ritmo, na harmoniosa combinação das palavras, em belas rimas toantes, velejando em telas em passarinhando improvisos. Há um trecho em que Dacota fala em “um copo de claustro”. Sim, a quarentena impôs o claustro a todos nós, e os poetas sobreviveram digitando, “conet@dos solit@arios”, buscando inspirações nesse claustro, estabelecendo pontes virtuais. Se a expressão “copo de claustro” sugere aquela intensa colérica e erótica novela de Raduan Nassar, pode nos sugerir também o livro de Junqueira Freire (1831-1855), o malogrado poeta baiano do Romantismo brasileiro. Acentuo que seus poemas melancólicos, meditativos, na linha intimista do mal do século não têm nada a ver com a poética solar de Dacota. O que quero expressar é a questão da harmonia em seus versos livres, predominantemente curtos. No poema que dá título ao livro, os versos iniciais “tempos bárbaros/ homens pássaros” prepararam o esvoaçar de vogais nasais, fechadas, com vogais abertas, já acenando para as energias sugadas das telas para o voo do pensamento no céu digital. Sim, num poema desses, vê-se que a autora tem o dom da poesia, como diz lá o Junqueira Freire naquela bela passagem: “Porque Deus pôs em meu peito/ um tesouro de harmonia:/ deu-me a sina de seus anjos,/ deu-me o dom da poesia.” Porém, não quero indicar nada de angelical na poética de Ana Paula Dacota: ela poetiza a vida dura, mas não teme a morte, tem medo, sim, é “da vida não vivida”. Ela olha as telas, que são muitas vezes tolas, mas sabe “que o real é offline”.

Junqueira Freire, em seu livro Inspirações do claustro, sofre com “a dívida infernal batendo as asas”, mas Dacota busca mansitude e brandura mesmo quando “escreve nas linhas do tempo/ com caligrafia efervescente sobre os infernos que queimo”.


*Caio Junqueira Maciel é pseudônimo e apelido afetivo de Luiz Carlos, um dos treze filhos de Juca e Nicota, nascido em Cruzília, Minas Gerais, em maio de 1952. Fez os primeiros estudos em sua terra; cursou o colegial no Instituto Padre Machado, de Belo Horizonte, onde Caio Junqueira Maciel é nome literário de Luiz Carlos Junqueira Maciel, nascido em Cruzília, MG, em 1952. Mestre em Literatura Brasileira pela UFMG, publicou livros didáticos e livros literários, de variados gêneros. Romance: Um estranho no Minho (Editora Viseu, 2020). Ensaios: A escritura do tempo na poesia de Dantas Mota (Appris, 2020); O sangue que rejuvenesce o Conde Drácula(Caravana, 2021). Contos: Cartão de crédito para gastar no inferno (Urutau, 2021). Crônicas: Dia das mãos (Urutau, 2022). Poemas: Sonetos dissonantes (Lemi, 1980); Felizes os convidados (Cultura, 1984); Doismaisdoido é igual ao vento (HG, 1997); Era uma voz: sonetos só pra netos (HG, 2005); Pele de jabuticaba (Urutau, 2019); Os sete sábios da Grécia & outros poemas safados (Urutau, 2021); Igrejinha do Rosário (Urutau, 2021). Participou de várias antologias, como Jovens contos eróticos (Brasiliense, 1986); Coletivo 21 (Autêntica, 2011); Adolescência & Cia. (Miguilim, 2012); Entrelinhas&Entremontes: versos mineiros contemporâneos (Quixote, 2020); Micros contos BH(Pangeia, 2021). Como letrista, tem parcerias nos Cds Parceiros do Tempo, com Newton Maciel, e com Zebeto Corrêa em Trilhas da Literatura Brasileira, Recados de Minas, Era uma Voz, Poemas para cantar e dançar. Casado com a professora Francisca Izabel Pereira Maciel, com quem tem três filhos e três netos.

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