5 Poemas de Leopoldo María Panero (Espanha, 1948–2014)

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Poemas com tradução de Pedro Spigolon

Leopoldo María Panero foi um poeta espanhol, nascido em Madri em 16 de junho de 1948. Conhecido por integrar a geração dos novíssimos poetas espanhóis, possui uma poética maldita. Foi preso durante o regime fascista de Franco e internado em diversos manicômios durante sua vida. Escritor compulsivo, possui uma vasta obra em diversos gêneros como poesia, narrativa ficcional e ensaios. Last river together é seu primeiro livro publicado no Brasil. Morreu em 5 de março de 2014.


A Francisco

Suave como o perigo, atravessaste um dia
com tua mão impossível, a frágil meia-noite
e tua mão valia minha vida, e muitas vidas
e teus lábios quase mudos diziam o que era o pensamento.
Passei uma noite agarrado a ti como a uma árvore de vida
porque eras suave como o perigo,
como o perigo de viver de novo.


O Dia em que a Canção Acabou

Quando o sentido, esse ancião que te falava
nas horas de solidão, morre
então
vês a mulher amada como um velho,
e choras.
E fica
órfão o poema, sem pai nem mãe
e o odeias,
abominas o filho pendurado
como um aborto entre as pernas, ali balançando
como fio pendurado ou teia de aranha,
quando o sentido morre
como uma criança
castrada por um cego
sob o amparo da noite, da noite feroz:
como a voz de uma criança perdida uivando
no vento
no dia em que a canção acaba, deixando
apenas um pouco de tabaco na mão,
e a cidade agora, as
cidades convertidas em vastas plantações de tabaco, e a mão
assombrada toca a boca sem lábios,
no dia em que a canção acabou, e se perde
o homem que dava a si mesmo o nome de alguém
ao dar a volta na esquina, um entardecer sem música.
No dia em que a canção acaba, a própria dor
é apenas um pouco de tabaco na mão
e as palavras
são todas antigas, e de outro país, e caem
da boca sem dentes como um líquido
parecido com a bílis,
no dia
em que o sentido morre, esse
assassino que no crepúsculo falava, e na
insônia sussurrava palavras e coisas,
no dia
em que a canção acaba, vês
a mulher amada como um velho, e
com a cabeça entre as pernas
diante do mundo abortado, choras.


O Pássaro

Ah, o pássaro, o pássaro, o pássaro preso
no limite das horas, que desenha na sombra
o rosto de Deus, e grita no bosque
uma vez, e outra: ESCURO, ESCURO, ESCURO,
e PARA NADA, PARA NINGUÉM, PARA NINGUÉM,
e grita
e grita no bosque e escreve a
letra impossível contra as paredes, assobiando
para as estrelas a canção profana, o
vento sombrio de sua alma, o sussurro, ah, o sussurro!
o sussurro que não acaba jamais, assobiando, fiando
labirintos na noite para não retornar,
o pássaro!
o gemido
que ele sempre produz
na hora eterna da tarde,
advertindo sobre o fim da tarde, cuspindo
nas horas e contra
o vômito do tempo, e com a saliva
blasfema das horas cuja obsessão é morrer
é morrer e matar-nos
ah, o pássaro que no bosque profano, onde
os falos caminham erguidos como homens
imitando as árvores, recita
o evangelho do silêncio e a
ternura da morte, o pássaro
aquele que habitava as tumbas
e ao longo daquele
caminho perguntava aos
que já não vivem,
quem é
o que é o
ser
misterioso que não existe e que nunca foi
e que voa devagar na noite.

Leopoldo María Panero

O Louco

Eu vivi entre os subúrbios, parecendo
um macaco, eu vivi no esgoto
transportando as fezes,
vivi dois anos na Cidade das Moscas
e aprendi a nutrir-me do que solto.
Fui uma cobra deslizando
pela ruína do homem, gritando
aforismos em pé sobre os mortos,
atravessando mares de carnes desconhecidas
com meus logaritmos.
E apenas pude pensar que quando criança
me sequestraram para uma alucinante batalha
e que meus pais me seduziram para
executar o sacrilégio, entre anciãos e mortos.
Ensinei as larvas a moverem-se
pelos corpos e as mulheres a ouvir
como cantam as árvores do crepúsculo, e choram.
E os homens manchavam minha cara com lama, ao falar,
e diziam com os olhos “abandone a vida” ou “não há nada que possa
ser pior que a tua alma” ou “como te chamas?”
e “que escuro é teu nome”.
Eu vivi o branco da vida,
seus equívocos, seus esquecimentos,
sua torpeza incessante e recordo seu
mistério brutal, seu tentáculo
sujo a acariciar-me o ventre e as nádegas e os pés
frenéticos por fugir.
Eu vivi a tentação e vivi o pecado
que a ninguém cabe perdoar.


Dedicatória

Mais além de onde
a vida ainda se esconde, resta
um reino, e resta cultivar
como um rei sua agonia,
fazer florescer como um reino
a suja flor da agonia:
eu que a tudo prostituí, ainda posso
prostituir minha morte e fazer
de meu cadáver o último poema.


Pedro Spigolon é poeta e editor. Nasceu em Araras-SP. Publicou Espanto (Medita, 2015), seu primeiro livro de poemas, contemplado pelo edital do ProAC, na coleção Galo Branco. É editor da Intempestiva, revista de literatura e artes visuais. Organizou diversos eventos literários como o sarau Intoxicações Líricas, em Campinas, e o ELA (Encontro Literário de Araras). Atualmente reside em São Paulo.

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