7 Poemas de Renato Suttana

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Renato Suttana nasceu em Barbacena e se criou em Barroso, no Estado de Minas Gerais. É professor universitário em Dourados-MS. Escritor e tradutor, publicou livros de poesia e ensaios, entre os quais Bichos imaginários (2013), Rapinário (2015), Diário de Buenos Aires (2016), Quando me abriram portas (2016), Altiplano (2017), A máscara (2017), Música de pianola (2018), Fora de alcance (2019) e O esquecimento necessário (2020), e alguns livros de poesia satírica e política. Tem poemas incluídos em coletâneas e revistas literárias do Brasil e de Portugal. Mantém na internet o site “O Arquivo de Renato Suttana”.


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Volto, e me despeço.
Recebo, e não sou.
A esmola que peço,
a mão que a ofereça
se abre — e já passou.

Bato àquela porta,
paro, e nada sei.
Abrem-na: me importa.
Não abrem. Só passo.
Logo esquecerei.

Chuva. E era tão claro
(faz pouco) o alto céu.
A um bordão me amparo:
o frio é da nuvem,
e o cansaço é meu.

Volto, e digo nada.
Aceno, e me vou.
Vejo em frente a estrada
que o meu passo mede.
E o dia findou.


OPÇÃO

Optei pela aparência.
Não mais quis insistir
com o jogo vão da ciência —
que mal sei exprimir.

Optei pelo visível
e pelo erro aparente
que levava o possível
ao silêncio da mente.

Fiz da manhã surgida
meu duradouro lema
e da tarde aquecida
o mais lúcido emblema.

Pus de lado o argumento
e o cálculo feliz —
tão capaz de espavento
para o valor que eu quis.

E dei à brisa leve
meu ansioso cuidado —
que já a nada se atreve
e se acomoda ao dado

em novembro, que vem
e se esvai, distraído,
frente ao olhar-ninguém
de que é todo o sentido.


CANÇÃO DESALENTADA

Dorme pétrea, petreamente.
Fecha a porta, entra no sono.
Deixa o mundo ser lá fora.
Diz adeus ao dia findo.
Atira a um canto o entusiasmo.
(Que coisa vale o entusiasmo?)

Entra em si, desce da nuvem.
Deixa a nuvem se esgarçar,
deixa esmorecer no céu
seu rastro leve. Sucumbe,
tem prazer em sucumbir.
Diz adeus à claridade.

Desce a si. Tomba no sono.
Faz de dormir um caminho
que não cabe percorrer:
pois basta ver que há caminho
e há desvio, e eis o que importa:
que não importa chegar.

Dorme calma e fundamente.
Fecha o postigo, a janela.
Deixa a vida ser lá fora
e o mundo ser só o mundo.
Diz adeus ao entusiasmo.
(Que coisa vale o entusiasmo?)


O DIA LÁ FORA

Mesmo visto
a uma distância de sonho,
a uma distância de noite,
o dia lá fora
é amplo e claro.

Mesmo avistado
desde o fundo de um poço,
desde um profundo pensamento
que a angústia escavou,
o dia lá fora
é vasto e claro.

Mesmo visto
desde o fundo de uma toca
ou de uma caverna
ou do fundo das eras,
o dia lá fora —
com o seu cortejo de brisas
e a sua coroa de azul

com os seus ruídos
e as suas glórias estivais
e as grandes nuvens
e as andorinhas
e os seus brincos de sol —

é límpido e vasto.


PORTAS, RUMOR

Portas. Portas. Não se enxerga nada.
Não se ouve uma palavra,
nem se distingue um vulto.

Só o murmúrio das horas se prolonga e avança
(o murmúrio como um corpo),
alargando a distância que vai da mão até o gesto:

só o sentido (que agora não tem a menor importância)
de ser o rumor como a única porta —
e ser esta a única passagem ainda aberta

(no muro das horas) para o outro lado do silêncio inconsútil.
……………………………………………………………….
Porém não se distingue um vulto,
não se escuta uma palavra,

não se avista quase nada na hora suspensa. —
Portas e portas.
E um profuso rumor atravancando os dias.


NA BAGAGEM

Náusea.
Só uma náusea
de percorrer em dezembro
dunas de tédio.

Só uma náusea
de atravessar as dunas
em dezembro com as nuvens,
as chuvas e a insignificância.

De ir até o final desse deserto
levando na bagagem
um punhado de sal e de sílabas
para vender aos estrangeiros. —

Náusea somente,
perfeita e inconsútil,
que a noite entanto há de aplacar
com sua grande mão

dissipadora.


RUDE

I

Furioso de tornado e inadvertência,
invisto contra a ideia de um caminho
e me arremesso contra qualquer moinho —
movido por um fogo de impaciência.

Vou da fadiga à queda em minha urgência
de alcançar um tesouro que adivinho,
cujo preço é a aventura de ir sozinho,
desfeito em cinza o grão da abstrusa ciência. —

Corto, abato, sustenho a minha lança
como um fantasma altivo que não teme
qualquer que lhe sugira temperança.

Rompo ameias, ignoro as situações,
manobro e avanço, ao largo das razões,
rude, com decisão que jamais treme.

II

Passo. Tropeço. E alarga-se ao redor
o círculo invencível das adagas,
tornando vãs as fantasias magas
em que me aposto, por nenhum valor.

Dentro, o cordão das horas, incolor —
formado de questões e ideias vagas —,
complica-se ao sabor das mais aziagas
ameaças, a que a audácia imprime cor.

E tudo é força e giro e atrevimento,
antes que venha a noite dos receios,
mal garantida à calma de um momento.

Passo, e não saio ileso. E vou bater-me
contra arneses, à luz de prometer-me,
pela honra e a inútil glória dos torneios.

III

Estou, para quem sou, despreparado.
Se tomo a peito arder e provocar
ou, cego, ir de um lugar a outro lugar,
formando o meu pecúlio de falhado,

vou sem mim, como um barco arremessado
à mera ideia de ir perder-se ao mar,
com um espanto frouxo de o singrar,
buscando ao léu o outro (impossível) lado.

De mim mesmo não posso o necessário,
pois que me falta o treino. E tudo quanto
alcanço é por favor extraordinário. —

Singro-me em bruma desde o amor ao sono,
desde a raiva ao enfado, ao desencanto —
por nulas rotas que cedo abandono.

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