Dora Maar (França, 1907-1997) – Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século De Surrealismo – Poetas, 14
Organização e tradução de Floriano Martins

Dora Maar (França, 1907-1997). A fotografia foi a pedra melhor polida no cenário criativo de Dora Maar, e sua primeira fonte de expressão artística, abrindo um afluente relevante nas colagens que viria a realizar posteriormente. A poesia a acompanhou a vida toda como um mistério que relutava vir a público. Quanto à pintura e à gravura, basicamente surgem após o doloroso rompimento com Picasso, com quem vivera por 10 anos. O final do romance – época bastante tumultuada e opressiva em que Dora atuou como modelo do artista –, foi desestabilizador, e refletiu fortemente em sua criação, trazendo à luz, em lugar da ousadia de suas fotomontagens, paisagem angustiante de gravuras e pinturas. A aproximação do Surrealismo se deu anterior ao conhecimento de Picasso, período mais expansivo de suas colagens, algumas delas com uma fascinante sugestão erótica. Amante de Georges Bataille e amiga bem próxima de Jacqueline Lamba – no início dos anos 1930 ela dividiu estúdio com Brassaï, imenso fotógrafo surrealista –, seu envolvimento com os ideais do movimento foi intenso e a estranheza perturbadora de suas fotos despertou a atenção de muitos integrantes do grupo parisiense. Dora registrou retratos de vários deles. Grande parte de sua obra, no entanto, acompanhou o espírito de reclusão que se abateu sobre ela, inclusive a poesia, à qual Dora se referia como um segredo que permanece um segredo até para mim.


1937
A menina, apertando nas mãos uma crosta roubada, sonha com as fissuras da noite, com gritos de sal e excrementos de pássaros. Quando as fezes das rosas sujarem suas cortinas rasgadas, arrastando os pés, batendo as asas, misturando os suspiros furtivos dos desajeitados com os gritos sábios dos mudos, o trapaceiro retornará para realizar suas farsas cotidianas.

1º de fevereiro de 1942
Hoje é outra paisagem neste domingo de final
do mês de março de 1942 em Paris o silêncio é
tão grande que o canto dos pássaros
domésticos são como pequenas chamas claramente visíveis. Estou
desesperada.
Mas vamos deixar pra lá.

c.1942-1945
Descansei entre os braços de meus braços
Já não dormia
Era noite verão inverno dia
Um eterno tremor de pensamentos
Medo amor medo amor
Fecha a janela abre a janela

c.1942-1945
Indago ao espelho de mão
Sobre a noite que está por vir
Que passem as horas
Para bem longe
Que o espelho permaneça vazio
Para sempre

7 de maio de 1947
É um punhado de terra sobre a terra

Procurando no bosque negro
Entre as raízes e as cascas

1947
A esta hora triste e marcada com uma cruz
A luz impossível se volta sobre o dia perdido
Este país nada mais é do que um pouco de terra
Sou debilidade
Que me fez esquecer a esperança.

5 de novembro de 1970
Como um lago puro o tédio
Escuto sua harmonia
Na vasta câmara fria
O tom da luz parece eterno
Tudo é simples e admiro a
Fatalidade total dos objetos

1970 ou mais tarde
No segredo de mim mesma para mim mesma segredo
Ao me expulsar me fazes viver
Neste quarto onde vivi a loucura o medo e o sofrimento
O simples despertar em um dia de verão
O exílio é vasto mas é verão, o silêncio pleno
Sol um enclave de paz onde a alma nada mais inventa do que
A felicidade uma criança a caminho de casa

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