Emmy Hennings (Alemanha, 1885-1948) – Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 28
Organização e tradução de Floriano Martins

A vida tumultuada de Emmy Hennings, conhecida como a Estrela do Cabaré Voltaire, de algum modo interferiu na compreensão e reconhecimento da grandeza de sua poesia. A começar pela defesa incondicional que fez da impossibilidade de haver espiritualidade sem mundanismo. Não há como encontrar Deus sem o entendimento da atuação do Diabo. Poeta, dançarina, pintora, cantora, prostituta, Hennings foi essencialmente uma mística que promovia a anarquia e o amor livre. Sua determinação à unificação dos opostos e a afirmação de que não há conhecimento do infinito sem a experiência-limite de todas as manifestações do finito, deu à sua poesia uma plenitude transgressora, não alcançada por seus pares – Hans Arp certamente seria uma isolada exceção –, embora pouco compreendida naquele momento. Grande inspiradora do Dadaísmo, sua participação no movimento foi relegada ao silêncio, raramente referida, seja pela exuberância de seu estilo de vida, seja pela misoginia imperante em Dadá. Seus poemas criam uma atmosfera de névoa em que personagens e objetos se misturam em busca de uma outra identidade. A chuva bate nas janelas. // Uma flor brilha em vermelho. / O ar frio sopra contra mim. / Estou acordada ou morta? // Um mundo está longe, muito longe, / um relógio bate quatro horas lentamente. / E não sei há quanto tempo, / eu caio em seus braços.


APÓS O CABARÉ

Eu vejo o sol de manhã cedo.
Às cinco horas, a caminho de casa,
As luzes ainda acesas em meu hotel.
O cabaré finalmente fechou.
As crianças se agacham nas sombras.
Os fazendeiros trazem seus produtos para a cidade.
Tu vais à igreja, silencioso e antigo
grave som dos sinos da igreja no ar,
quando uma garota com cabelos revoltos
surge inteiramente turva e fria:
Ame-me, livre de todos os pecados.
Veja, eu fiquei de vigília muitas noites.


AGORA EU TENHO QUE CAIR DA BORDA DO GRANDE GLOBO

Agora eu tenho que cair da borda do grande globo!
Assim como, em Paris, uma grande festa é dada –
Pessoas estão se reunindo na Gare de l’Est
E bandeiras de seda coloridas estão sendo hasteadas;
No entanto, não posso estar lá com elas –
Eu voo bem alto na grande câmara.
Eu me misturo com o sonho de todos os outros
E leio todas as mil expressões que existem.
Um homem doente jaz atormentado em agonia.
Eu estou hipnotizada por seu olhar moribundo.
Nós dois nos lembramos de um dia de verão…
Uma cruz negra repentina invade o quarto…


OH VÓS, SANTOS

Oh vós, santos com os nomes preciosos
Que no caminho da cruz vieram dar,
Eu tinha esquecido meu próprio caminho
Encurralada por espinhos, andei como presa.
A mais dolorosa mortificação.
Eu estou na escuridão,
Sem estrelas que brilhem forte
Em meu crepúsculo.
eu virei meu rosto para a parede,
extinguindo meu fogo da lareira,
Eu agora não valho nada.

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