Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 16
Organização e tradução de Floriano Martins
Eugenio Granell (Espanha, 1912-2001). Artista plástico, poeta, ensaísta, foi um dos nomes mais fortes de seu país nas vanguardas. Durante a exposição dos surrealistas que aconteceu em Paris em 1947, Breton situou Eugenio Granell, ao lado de Giacometti, Matta, Lam, Gorky, Brauner e Herold, como a segunda geração de surrealistas, um dos grupos transicionais que adotaram o expressionismo abstrato. Esses artistas também se interessavam por temas ocultistas, como Breton descreve em seu Segundo Manifesto (1930). Como lembra o crítico Valery Oisteanu: Granell é um surrealista independente. Nunca tendo sido membro deste movimento, participou na maior parte das suas atividades: criou alguns cadáveres requintados com Breton e Lam; expôs com o grupo e ilustrou obras de outros surrealistas. Outro crítico, Ramón Tio Bellido, observa: Se até certo ponto é evidente em sua obra uma certa síntese entre o surrealismo latino-americano de Wifredo Lam e o surrealismo um tanto abstrato de André Masson, não é menos verdade que Granell encontrou uma maneira totalmente sua, um corpus iconográfico muito peculiar. Sua vida foi marcada por alguns exílios, entre eles o período que viveu na República Dominicana, fazendo parte do grupo que editava a revista La Poesía Surprendida. Em abril de 1995, foi inaugurada em Santiago de Compostela a Fundação Eugenio Granell, patrocinada pela Câmara Municipal e pelo Consórcio de Santiago. Esta fundação é composta por três coleções doadas pelo artista: uma obra própria, uma coleção de arte surrealista e uma de arte étnica, e tem como objetivo estudar a obra de Eugenio Granell, o surrealismo e artes afins.
HORIZONTE NA PONTA
O aroma acre e esfumaçado da escuridão vegetal
grita alto para a nuvem arcaica
perdido seu esqueleto de megatério para a dissolução da água e do ar
Vento e mar trituram as nuvens cromadas
Gotas zoológicas derrubam o voo invisível
do arco-íris negro
ao passar como raio nervoso
através do campo bordado do espaço
Bandeira de água bandeira de sombra bandeira de lascas
Lança de luto estendida ao largo de florestas e colheitas
Sonho pardo da água
Arma afiada que devora e fertiliza
Contra o vermelho o gafanhoto perde o horizonte de orvalho
Transforma a selva em trapos métricos
que rasga o esqueleto das baionetas selvagens
e uma vez que o gafanhoto se tornou uma torrente de curtos-circuitos
entra em contato com a apertada trovoada vegetal
adormecendo com picos de clorofila
Estátua voadora de gafanhoto reclinada em memória estrelada
choca em cada margem um ninho de fechaduras
Sarcófagos piramidais são os gafanhotos
Carniça volatilizada do outro firmamento
perdido nas crostas palpáveis
do camelo que fugiu dos mares de areia
POSTAL DE ANIVERSÁRIO
O táxi abandonado na cobertura do túnel
parecia um odeão em mangas de camisa
cheio de borboletas
Como ele desanimou
diante da velha amiga do padre
que empunhava a bengala
e negou-lhe um pedaço de queijo
Havia famílias ilustres
que lhe olhavam e uma vez mais tornavam a olhar
rindo às gargalhadas
Crianças em idade escolar
lhe atiraram pedras, foices e martelos
sem parar para pensar
que poderiam amassá-lo
nem mesmo na máxima hoje por ti, amanhã por mim
A professora se opôs
dizendo-lhes melhor seria desmembrá-lo
A fada das quedas d’água
lhes ajudou a organizar as peças
Então eles construíram outro
muito parecido com o primeiro
O túnel piscou o olho
O táxi também