Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 29
Organização e tradução de Floriano Martins
A precaução elimina a possibilidade de não ocorrer o desastre. Ao descortinar o mundo surrealista, a poeta e artista Greta Knutson o fez sem restrições, e jamais encontrou motivo para descartar a tradição. Sua atuação foi intensa, mesmo que perturbada por um ambiente de vanguarda em que a mulher não encontrava reciprocidade para seus atos. Evidente que esse estalinismo surrealista – ela assim o descreveu, considerando Breton um tirano – acabou por motivar seu afastamento do grupo. Quando presente no movimento, Greta realizou uma série de cadáveres deliciosos, ao lado de Valentine Hugo, Tristan Tzara e Breton – este último considerava o jogo um modo de libertar completamente a atividade metafórica da mente. É possível vislumbrar em sua pintura uma decomposição das formas cubistas em direção ao maravilhoso, à percepção de um novo cenário em que as formas se amalgamam. Nela as figuras surgiam na medida em que a experiência do olhar ia lhes tecendo um roteiro. Assim como em sua vida, a criação não rejeitava as perspectivas que lhe iam sendo apresentadas pelo sentido de entrega ao mundo. Ligada ao Surrealismo, primeiramente pelo casamento com Tristan Tzara, depois por um romance com René Char, desde quando deixou a Suécia onde nascera para viver na França Greta não buscou senão uma consciência aguda e que a mesma, em essência, não se desconectasse de uma elevação espiritual. E o desenvolvimento de sua criação a revelara mais surrealista quando se afastou do movimento, quando já não era mais atingida pela impertinência do dogma. Ao isolar-se para criar – dedicando-se não somente à pintura, mas também à poesia – despertou uma marginalização de sua obra. Longe da precaução, não há como se opor a isto, o desastre também pode ocorrer.
UM POEMA DE AMOR PERDIDO
Se primeiro o ônibus,
Se depois o trem,
Se o acaso insidioso
Não venham a acumular
Obstáculos imprevistos, eu
Irei na quarta-feira e tu
virás também?
PESCA LUNAR
Aquele que está inclinado para a frente no banco não és tú.
A mão que repousa sobre o joelho estranho não é tua, teu rosto não é teu.
Cada batida de teu coração foi seguida por outra; a certeza ainda vivia,
a relva ainda não temia nada. Logo me ligaste, meus passos
foram reencontrar seus entes queridos na areia viva.
As músicas iam e vinham sem deixar marcas.
Cada objeto nos olhava com olhos de criança, antes de nascer o medo.
Agora as montanhas estão em chamas e eu sou um país devastado.