Jayne Cortez (Estados Unidos, 1934-2012) – Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 25
Organização e tradução de Floriano Martins

Jayne Cortez (Estados Unidos, 1934-2012). Poeta e performer. Além de publicar uma série de livros, dentre eles Somewhere in Advance of Nowhere (1996) e Mouth on Paper (1977), ela lançou várias gravações, muitas das quais acompanhada por sua banda, Firespitters. Jayne era considerada uma poeta renovadora, pela visceralidade de sua lírica, e a força de sua voz nas inúmeras performances que realizou. De seu obituário no The Guardian lemos: “A poeta Jayne Cortez, que morreu aos 78 anos, era inequívoca sobre seu ofício: Palavras são musicais – não há mais nada a dizer sobre isso. É isso! … Há o som da voz … e sua atitude que você coloca em cima disso. Uma ativista cultural apaixonada, tanto no livro quanto no palco, Cortez transformou elementos de sua história pessoal e da diáspora africana em poesia de blues de vanguarda. ‘Nenhuma ravina é perigosa demais, nenhum abismo ameaçador demais para Jayne Cortez’, observou Maya Angelou.” Segundo a crítica Elizabeth Hoover, “O estilo de performance de Cortez foi chamado de confrontacional e discordante, mas também é inovador em sua abordagem experimental e improvisada. Assim como seu trabalho em poesia e arte, sua música estava enraizada em uma compreensão global da opressão e um chamado por justiça social.”


CUME

Um encontro entre dois homens,
duas visões,
dois braços dedicados à corrida,
dois velhos aterros sanitários despejados no
escritório de águias bêbadas,
no escritório de pinguins farristas,
vodca do meu lápis soluçante,
uísque da minha borracha em vômito
e tudo depende da
tempestade de orações bêbadas deste dia,
da calmaria quebra-gelo deste dia, no
fundo do cume das calças de poliéster,
esta noite, nos olhos nublados de fuzileiros navais irritados,
amanhã, no ponto morto do índice.


FÃ DE JAZZ OLHEM PARA TRÁS

Eu cruzei com Monk
Lamentei com Bud
Contei cada estrela com Stitt
Cantei “Don’t Blame Me” com Sarah
Usei uma flor como Billie
Gritei no alcance de Dinah
e cantei “How High the Moon” com Ella Fitzgerald
enquanto ela explodia o telhado do Shrine Auditorium
                                   Jazz na Filarmônica

Cortei meu cabelo em um topete permanente
Fiz de meus pés metrônomos rebeldes
Encaixei agulhas de disco em tinta no papel
Falei sobre Bopology
Ri em frases agudas de saxofone
Tornei-me o guardião de cada riff de Bird,
cada lick de Lester
enquanto Hawk melodiava meu ouvido com línguas apaixonadas
e Blakey tamborilava mensagens militantes na
alma de meus dentes aplaudidores
e Ray atingia notas graves no último sofá de amor em meus ossos
Eu me movi em compasso triplo com Max
Alta conexão com Diz
Bendições com Pettiford
Voei para casa com Hamp
Embaralhada no convés de Dexter
Agachada com Peterson
Sonhei com um tema da 52nd Street com Fats
e cantei “Lady Be Good” com Ella Fitzgerald
enquanto ela explodia o telhado do Shrine Auditorium
                                  Jazz na Filarmônica


AÍ ESTÁ

E se não lutarmos,
se não resistirmos,
se não nos organizarmos, nos unirmos e
tivermos o poder de controlar nossas próprias vidas,
Então usaremos
o olhar exagerado do cativeiro,
o olhar estilizado da submissão,
o olhar bizarro do suicídio,
o olhar desumanizado do medo
e o olhar decomposto da repressão
para todo o sempre e sempre e sempre.
E aí está.


ROSE SOLITUDE

Eu sou a essência da Rose Solitude,
minhas bochechas estão cobertas de conhaque,
meus quadris estão selados com cinco pregos de cetim,
carrego sonhos e romances de novos tolos e velhas
chamas
entre o almíscar da gordura
e a bolsa lateral da minha língua de vison.


NÃO PERGUNTES

Não me perguntes
por quem estou falando
com quem estou falando
por que estou fazendo o que faço
à luz da minha existência

Te levantas e cospes e escovas e bebes,
urinas e cagas e andas e corres e trabalhas
comes e arrotas e dormes e sonhas e
é assim que é

De manhã,
a água da torneira tem gosto de peixe
o café fica em sua
xícara descafeinado
merda e incenso
ter um romance flutuante
e uma toalha velha
vai fazer com que cheires
duplamente velho
então não sejas beijado na bochecha
não sejas lambido no pescoço

às 8 da manhã
os trens e ônibus estão
lotados de pessoas peidando
seus peidos de pão com manteiga
o ginásio
é dominado
pelo fedor de
tênis quentes
e um no vestiário
alguns bobo-falante
intelectual-aparente
bebendo-coca
deixando-de-cair-papel
descartando-espinafre
mulheres arrogantes e presunçosas esperam para
ser atendidas

e em outro vestiário
há odores de
virilhas e cuecas
bengay, bálsamo de tigre
e bolas queimando
meias suadas e agasalhos
de homens
de-musculação
batendo portas
bombeando ferro
catarro-falando
todos azedos e fumegantes
e embrulhados juntos
em um pântano de
toalhas que estouram bundas
mas não deixe isso
te derrubar
não deixe isso
te tornar
psicopata

Lá fora as saliências estão
carregadas de pombos
nuvens são semeadas com
pessoas sem-teto e
lirismo da tarde
em um louco sub-proletário
de cócoras e vomitando
de suas entranhas
um líquido marrom de morte
na frente de tua casa

e nada está acontecendo por tua causa
essas meias não fedem por minha causa
um burocrata não é um babaca por nossa causa
eu não sou assim por causa deles
não és assim por minha causa
não perguntes sobre influências

Te levantas e cospes e escovas e bebes,
urinas e cagas e andas e corres e trabalhas
comes e arrotas e dormes e sonhas e
& é assim que é

 

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