Juan Larrea (Espanha, 1895-1980) – Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 31
Organização e tradução de Floriano Martins

O poeta espanhol Juan Larrea tem sido pouco a pouco redescoberto, ele foi uma figura central no movimento de vanguarda das décadas de 1920 e 1930. Sua intensa relação com o Surrealismo o levou a experimentar de tudo, linguagens, imagens, truques estilísticos, viagens pelo subconsciente etc., rejeitando as formas tradicionais e entregando-se à escritura automática. Com isto, sua poética resultou definida pelo fragmento onírico e certo jogo de justaposições inesperadas. Seu interesse na tradição mística espanhol fez com que ele a incorporasse em seu surrealismo, o que lhe deu uma relevante singularidade. Publicou os seguintes livros de poesia: Oscuro dominio (1935), Versión celeste (1969) e Orbe (1990). Sobre Surrealismo é preciso ler com atenção seus livros de ensaios: El Surrealismo entre Viejo y Nuevo mundo (1944) e Del surrealismo a Machu Picchu (1967).


O UMBRAL DAS CALÚNIAS

O fornecedor de alma onde tua esperança se abate é apenas uma falta hipótese ainda que bonita

Todos os jardins começam por te curar
                                                                                       Te moves
e a luz se enturva
crês que evitas os espinheiros e então é quando teus cabelos se tornam transparentes

compreendido pela distância irmão de teu irmão terra de tua terra
o jardim volta a te lamber por conta do jardim de teus poros

tua testa esmigalha as tardes desde a cúspide de teus louvores
em tua saliva já existem alguns barquinhos


INTERIOR

Teus cabelos estão fora de ti mesma sofrendo porém perdoando
graças ao lago que se desfaz em círculos
ao redor dos afogados cuja goteira de passos mortos
afunda em teu coração o vazio que nada virá a encher
mesmo se sentes a necessidade de cerzir

mesmo se a tua nuca se dobra aos menores caprichos do vento
que exploras tua atitude e afugenta a janela ali adormecida
e abre as tuas pálpebras e teus braços e leva
se tens necessidade de cerzir
toda a tua folhagem até as tuas extremidades


NATUREZA MORTA

O preço de teu silêncio
e a auréola das lousas
o dia reduzido à tua mão
a mão reduzida a seu inverno urgente

a saída deixa que morram seus melros
soltando uma carne azulada
como os olhos que seguem lentamente
fora do domínio do ouro tuas pernas irradiantes

todo o imprevisto no relâmpago de uma faca
todo o horizonte na espera de um sobressalto
todos os segredos todos os pesares em uma estrela


NEM TUDO ESTAVA DITO

Entre tu e eu o céu afogava sua presa
entre a ordem e tu a fuga encamava seus degraus
entre a asa e eu a aurora amava seu sangue frio

Entre tu e eu os verdores inatos soltaram
o peito de vidro e de estrondo
arrastando trilhos de espuma graça inútil
nas paragens dolorosas para uma só pessoa

Escombros de planície por todas as partes onde a boca serpenteia
quando meu cadáver ainda está em sua casa


PRIMAVERA PROVISIONAL

Deixa fluir meus ossos entre as folhas
Entre as folhas nascidas de te haver conhecido
num dia de chuva
quando os barquinhos de tuas orelhas
cortavam as flores ocultas sob os nomes de minhas ruas


VERDADE CAPITAL

Como asa uma concessão à sombra
um gosto definido pelos perigos ao sol
uma vida corta
uma reserva prudente

Na escola dos vencidos a fuligem protege suas janelas
o roseiral que te ignora ocupa aqui pouco lugar
as contingências batem na porta como mendigos
o erro se guia por seu volume

A tormenta fraqueja na espera
A minha


VERDORES INATOS

Amiga mina és terna até o delírio
aqui está a relva que sobe por tuas pernas
como chama ligeira
posto que em cada orelha uma anêmona
a terra jamais escuta as palavras que alguém quisera
façamos nascer borboletas suscitando inquietudes
suscitando calêndulas para fugir para não importa onde
não demasiado porém no entanto
não é assim?

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