Mina Loy (Inglaterra, 1882-1966)– Série Um Século de Surrealismo / Poetas

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Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 19
Organização e tradução de Floriano Martins

Tendo vivido em países como Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos e Itália, Mina Loy foi poeta, romancista, ensaísta. Em sua obra encontramos uma abordagem bastante incomum em relação à mulher, o que acabou por gerar certa incompreensão por parte da crítica, que tinha uma dificuldade de perceber a voltagem lírica de sua poesia, preterindo o entendimento da criação como fonte de conhecimento em oposição à mera identificação dos parâmetros lógicos da realidade. Mina Loy procurava dar sentido ao mundo com base na intuição, na força assimétrica dos instintos. A rigor, a mecânica da percepção dá mais densidade e diversidade às coisas que compõem a vida de cada ser. Singularidade extraída da multiplicidade, ambiguidade despida de preconceitos, por aí pautava sua leitura da experiência humana. Em seu Manifesto feminista, 1914, observa o erro estratégico das mulheres, afirmando que o empenho delas deveria ser na direção de uma demolição total de valores, incluindo a rejeição à legislação econômica. Considerava, portanto, o movimento feminista inadequado, incapaz de reverter o quadro de devastação psicológica porque passava a mulher. As sedutoras perspectivas da fealdade e do sarcasmo que encontramos em sua obra descreve uma busca de dar ao poema uma dose tal de instabilidade emocional que intensifique as contradições da própria existência. O poema revelando a si mesmo ao propagar as proezas híbridas da linguagem e da vida, máscara que identifica pela soma de outras incontáveis. Em seu caso tal representação encontra na abordagem sexual o melhor palco. Nós poderíamos ter nos unido / no monopólio de um momento na cama / ou rompendo carnes um com o outro / na mesa de comunhão profana / onde o vinho é derramado em lábios promíscuos. // Poderíamos ter dado à luz uma borboleta / com as notícias diárias / impressas em sangue nas asas. Sua metáfora erótica não se restringe à relação amorosa romântica, mergulha nas entranhas da peleja entre corpos competitivos, na agudeza das dilacerações, a caminho do secreto pavilhão das crueldades. Não se trata, no entanto, de negação do corpo, mas antes de um desafio vertiginoso de melhor compreensão dos inúmeros mecanismos de repressão que desfiguravam a compreensão dos antagonismos masculinos e femininos da época em que viveu.


[A MEIA NOITE ESVAZIA AS RUAS]

A meia-noite esvazia as ruas
                  À esquerda um menino
– Uma asa lavada pela chuva
A outra nunca mais estará limpa –
Fazendo soar os timbres para recordar
àqueles que têm abrigo
À direita, um asceta em sua aura
enfiando casas
Injeta feridas em vez de almas
– O pobre não pode tomar banho em água quente –
E eu não sei que direção tomar –


O PÁSSARO DOURADO DE BRANCUSI

O brinquedo
torna-se o arquétipo estético
Como se
algum Deus ordinário e paciente
tivesse esfregado e esfregado
o Alfa e o Ômega
da forma
em um pedaço de metal
Uma escalação nua
sem asas e penas
– o ritmo definitivo
cortou os membros
de crista e garra
do núcleo do voo
O ato absoluto
da arte
conformado
na escultura do continente
– nua como a fronte de Osíris –
este seio de revelação
uma curva incandescente
lambida por chamas cromáticas
em labirintos de reflexos
Este gongo
de hiperestesia polida
grita com o metal
enquanto a agressiva luz
golpeia
seu significado
A Imaculado
Concepção
do pássaro silencioso
acontece
com uma reticência maravilhosa…


UMA MULHER ENVELHECIDA

O passado foi arruinado
os fatos são vagos
o futuro inútil
o presente               dor.
Nem mesmo a dor tem essa precisão
com a que golpeou na juventude
É uma traça
corroendo os órgãos
pendurada ou caindo
em um armário arruinado.
Acaso o teu reflexo te atormenta
ou é que o impossível
possível da velhice
permite que a silhueta antiga
ágil e rígida consigo mesma
agarre em grande reserva
esta enorme incerteza
de uma estranha Lâmpada
que só pode ser exorcizada pela morte
A procrastinação eliminou completamente
tua longa realidade.


[ENGENDRO DE FANTASIAS]

Engendro de fantasias
Peneirando o apreciável
Porco cupido de nariz rosado
Vasculhando o lixo erótico
Era uma vez
Rasga uma grama                 coberta de estrelas brancas
Entre areia selvagem semeada em membrana mucosa
Poria                         meus olhos em um sinalizador
A eternidade em um foguete espacial
Constelações em um oceano
Cujos rios não correm mais frescos
Do que um fio de saliva
Estes são lugares suspeitos
Eu devo viver na minha lanterna
Adornando a cintilação subliminar
Virginal                   até os gritos
Da experiência
                                                       Vidro colorido.


[A EVOLUÇÃO ENFRENTA]

A evolução enfrenta
A igualdade sexual
Perfeitamente mal calculada
Semelhança
Seleção artificial
Cria esses filhos e filhas
Até eles zombarem um do outro
Criptônimos ilegíveis
Sob a lua
Dá-lhe alguma forma de gargalhada insolente
Por um chamado amoroso
Ou altere o riso
Para soluços homofônicos
Deixe-os acreditar que as lágrimas
são córregos ou melaços
Ou qualquer coisa
Menos insuficiências humanas
Mendigando a espinha dorsal
Que a reunião seja o giro
Em direção aos antípodas
E forme                                        uma névoa
Ou o que seja
Menos a sedução
De um
Como simples satisfação
Para o outro

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