Série Um Século de Surrealismo – Poetas, 41
Organização e tradução de Floriano Martins
Ruth Stone foi poeta e professora de poesia. Nascida na Virgínia e criada em Indiana, ela se casou com o químico John Clapp Jr. em 1935, quando tinha vinte anos. Após obter o divórcio de seu primeiro marido, ela se casou com o escritor Walter Stone em 1944. A partir de então começa a ganhar reconhecimento seu trabalho como poeta, incluindo o Prêmio Bess Hokin de Poesia (1953) e uma bolsa Kenyon Review em poesia (1956), enquanto seu marido era professor de inglês no Vassar College. Mas a tragédia atingiu a vida de Stone quando o marido se suicidou. Com três filhas para criar sozinha, ela começou uma série de residências de poesia e posições de professora visitante em várias faculdades e universidades nos Estados Unidos, começando com uma bolsa de dois anos de poesia do Radcliffe Institute for Independent Study da Universidade Harvard em Cambridge, Massachusetts. Quando não estava ensinando, ela voltava com sua família para uma casa de fazenda que havia comprado em Goshen, Vermont. Sua vida itinerante terminou depois de vinte e cinco anos, quando ela foi premiada com estabilidade na Universidade Estadual de Nova York em Binghamton. Após a aposentadoria, Ruth recebeu um doutorado honorário do Middlebury College em Vermont. Ela publicou 13 livros de poesia e recebeu muitos prêmios, incluindo um Pushcart Prize e o National Book Award; seu livro What Love Comes To: New & Selected Poems (2008) foi finalista do Prêmio Pulitzer. Seus versos expressam, com sagacidade frequentemente ácida, o que tem sido chamado de sua visão tragicômica: um comentário implacável e incisivo sobre pobreza, perda, o corpo humano, relacionamentos entre homens e mulheres, personagens estranhos nas margens das comunidades americanas, velhice, o universo e a própria poesia. Às vezes obscenos, às vezes profundos, seus poemas nunca deixam de ser bastante afiados.
MAIS UMA VEZ
Oh meus corvos,
quando retornarem em abril,
suas vozes ásperas,
seus eus escuros
remando o ar cru,
vocês, machos que voltaram para casa
na montanha;
esta sombra abaixo de vocês
no pomar
sou eu,
triunfante,
ouvindo
as pedras quebrando rio abaixo
na neve derretida.
BOM CONSELHO
Aqui não é exatamente aqui
porque passou por ali
dois segundos atrás;
de onde não voltará.
Embora te ajustes a isso –
Nada é, dizes,
do jeito que é.
Somos tão pobres,
com tudo isso escorrendo
por entre nossos dedos.
“Aqui”, diz o Diabo,
“’Coma. É o Paraíso.”
OLHE PARA O FUTURO
Uma vez que nasceste na violência,
as guerras da formiga vermelha não são nada;
tu, no coração da erupção.
Estou falando de folhas de grama imensuráveis.
Tu, nos escombros,
Para ti o que é o rio de vapor?
És indefeso como pequenos pássaros
abatidos no bloco de gelo.
És estragado como
fruta comercial pela mosca do Mediterrâneo.
Para ti as metralhadoras.
Para ti o sêmen do fogo,
o nascimento do verme no cadáver.
Tu, a quem enviamos esses presentes;
no coração da luz somos esmagados juntos.
Quando o sol morrer, nos tornaremos um.
E DAÍ
Para mim, as grandes verdades são misturadas com a histeria.
Quantos Einsteins podemos tolerar?
Eu salto para o princípio da incerteza.
Depois de tantas difamações, queres lavar tudo com uma risada.
Ha ha, dizes. E daí se for um colapso?
Últimos versos de poemas que escreverei imediatamente.
PALAVRAS
Wallace Stevens diz,
“Um poeta olha para o mundo
como um homem olha para uma mulher.”
Eu nunca posso saber o que um homem vê
quando olha para uma mulher.
Esse é um universo selado.
Do lado de fora da bolha
tudo é esticado até o infinito.
Ao longo do asfalto, as árvores são barbadas como velhos,
como fileiras de mandarins de barba grisalha balançando.
Suas barbas de segunda mão que foram fiadas por mariposas ciganas fêmeas.
Todos os mandarins estão presos em suas imagens.
Um poeta olha para o mundo
como uma mulher olha para um homem.