Curadoria e tradução de Gladys Mendía
Martín Barea Mattos nasceu em Montevidéu, República Oriental do Uruguai, em 1978. Ele publicou vários livros de poesia em espanhol, incluindo “Made in China” (Estuario/Hum, 2016), “Parking Barea Mattos” (Uma temporada em Isla Negra, Chile, 2014), “Conexo” (com ilustrações de Cecilia Mattos, Museu Nacional de Artes Visuais, MEC, 2014), “Por hora, por día, por mes” (Estuario/Hum, 2008), “Los ojos escritos” (43º Prêmio Nacional do Livro, 2003). Ele também publicou quatro obras de música e poesia com acompanhamento de músicos. Em 2018, ele publicou em Madri, Espanha, “RBL/Obras tipográficas”, e em 2016, “Never Made in America/Poemas escogidos” (Diálogos Books, NOLA, EUA). Desde 2013, ele dirige o festival internacional de poesia chamado Mundial Poético de Montevidéu, do qual organizou oito edições, e que contou com a participação de poetas de 22 países. Desde 2006, ele é o curador habitual do ciclo de leitura semanal de poetas chamado “Ronda de poetas” no famoso café La Ronda de Montevidéu. Ele participou de festivais em Buenos Aires, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santiago do Chile, Valparaíso, Concepción, Isla Negra, El Tabo, Bogotá, Ibagué, Assunção do Paraguai, Nova Orleans, Washington, Nova Iorque, Los Angeles, Madri, Granada, Saragoça e Barcelona desde 2008 até a data atual.
[NO FUNDO DA ÁGUA]
No fundo da água
onde os motores
se apagam
eu adormeço
e morro sem morrer
e sonho que morro
e na realidade
eu durmo
e dizem como é
na morte
a vida
apenas um sonho
e encontro
o segredo do relógio submerso
e meu espelho diluído
e já não me lembro, já não me lembro do seu objeto
e prefiro esta noite
ficar acordado com os olhos abertos
no fundo da água
à luz da lua ou devo dizer
no cenit do rio
no fundo profundo do sol
o que anda por aí acordado
morrendo e sonhando
e retorna
morrendo para sonhar
a cada dia
novo de novo.
[O DIA NUBLADO]
O dia nublado nos separou
como um muro como uma folha em branco
e mal flameja, eclipsa uma pobre bandeira
implacável como este pós-guerra de sol
o dia nublado constrói seu muro
e abraça cidades novas medievais
com sua trepadeira virtual nos aprisiona
não olhes para fora, não olhes para fora
te oferecem janelas sem brisa e sem primavera
a nuvem é tão alta quanto a memória
do cogumelo da fumaça de nomes extintos
pelos chaminés das indústrias da história
e o grito de guerra provoca
amores gigantes que gemem
derrotas gêmeas
nossos corações são como fusíveis
fuzis a herança o olhar tenso
que aponta e dispara
não duvides não há julgamento não há dívida
nem condenação se rezas
te dou vida eterna, te dou vida eterna.
[O ALVÉOLO PULMONAR]
o alvéolo pulmonar
é comparável em forma a uma árvore
ou desde seu antebraço até uma mão de dedos
estendidos
temos o costume de deixar o lixo junto ao
pulmão
em silêncio de nylon os restos do desejado
a casca os ossos o que cozinhamos o comido o
não digerível orgânico e inorgânico
a embalagem o selo e o preço
o pago o exalado pendurado de uma falange
à mão de outras
mãos ao pé da mão
desembrulham limpam e classificam
palavras
se sujam ao nomear o apreendido
palavras
dignificam os restos do silêncio
palavras
o consumido consome-se consome-se
como a forma da mão a dá à árvore
como a forma da árvore a dá ao pulmão
como a forma do ar a dá ao silêncio
e a forma da palavra a dá à mão
e o movimento do vento crepita nas folhas da árvore
e inscreve oxigênio estacionado
carbono palavra
e deixa cair
como em suspensão o dito
em alguma direção sempre azarosa
impossível saber das folhas
qual vocábulo pende como à beira
do papel
do pulmão
da árvore
da mão.
*
A (E) resultou em economia de linguagem
a equação ao sul e norte do equador
a idade do Éden
a educação efetivamente efêmera
o ego o eixo
exemplo
o exercício
ele
elástico
eleito
como a eletricidade
eletrodoméstico elefante elegante elementar
elenco elevado em elevadores
elipse de elite
elogio
ela
emancipada
grávida como um emblema
embrionária emergindo emigrando
emitindo emoções empíricas
empregando pobres empresas
apaixonada
do encéfalo encarceramento enciclopédico
encontra
a encruzilhada enquadrada
conecta
seu endocárdio à endogamia parasita
ao inimigo sua energia
janeiro
enésima enfermidade
focado engano gera
engloba enhebra parabéns
o enigma
enlaça e enlouquece
mascara e enreda
gradeia e enriquece
enriquecido empilha a salada
ensaia o ensaio de utensílios
sela o sonho
entalha o ente
entendido entendimento de integridade
inteiro enterro de entidade
entonando entrada e essência
entrelinha treinando enigma
entrevista
entropia
epêntese épica
epicárdio
epiceno
epicentro épico
epidemia epidérmica
epígono
epigrama
episódio epistemológico
epíteto
epítome de época
epopeia da equidade equidistante
equilíbrio da bagagem da equipe
equivalente da era
ereção ergonômica
erógeno eros erodido
erótico
erotismo errando
erudita escala escalonada
escândalo escapando a escarapelas
cena e cenário ceticismo
escravos da esclerose escolarizando escoltas
escollera para os escombros
escopetas e escória
escorço escrito
e escritório e escrita
escroto sem escrúpulos
escrutinando
meu escudo minha escola
minha escultura cuspida
esfinge esfíncter
elo espacial
espaço de espada a espalda
especiaria especial
especialidade da espécie
espetáculo e espectro
espejismo e espelho
esperança e espermatozoide espião
espira e espírito
esplendor de espuma espontânea
esquela
esqueleto e esquema
da minha estadia estourando em estela estereoscópica
esterilizando o esteta
estigma de estilo por estima
por estrela estreando
estruturas de estudo
éter eterno
etimológico
eufemismo
eureka o evangelho
a evolução sem precisão do exato
exagero
exame excarcerável escavando
existência êxodo expansão
experiência e explosão
exponente expressivo
êxtase
do meu estranho e extraordinário extrapolamento
Deus ejacula por fim
finalmente consegui estacionar.