Entrevista concedida a Julie Dorrico em abril de 2020
Yaguarê Yamã nasceu em 1973, no interior do Amazonas. É filho do povo Maraguá por parte de mãe e do povo Sateré-Mawé, ou simplesmente Mawé, por parte de pai. Seu nome significa “clã de onças pequenas”. Formou-se em Geografia pela Universidade de Santo Amaro, na cidade de São Paulo, onde morou por seis anos. Além de contar histórias de seu povo em livros, Yaguarê também é ativista da causa indígena e luta pelo reconhecimento e pela proteção dos Maraguá.
1 – Prezado Yaguarê Yamã, sendo do povo Maraguá, um povo com crenças e tradições próprias, você optou por utilizar a escrita (alfabética) como ferramenta de resistência. Por que você começou a escrever?
Por que fui movido pelo hábito de contar histórias tradicionais contadas aos pôr do sol na aldeia. É tradição contar histórias no meu povo e assim cresci. A vontade de mostrar as culturas indígenas e o que há de melhor na floresta fez com que eu quisesse abrir um canal que ligasse esses dois mundos, por isso a literatura.
2 – O que é a literatura indígena?
É antes de tudo uma arma de defesa e de ataque. Com ela mostramos ao mundo da cidade o que de melhor temos nas aldeias. A sabedoria indígena precisa ser revelada assim como seu encanto.
3 – Muitas de suas obras destinam-se ao público infanto-juvenil. Foi uma opção sua escrever para esse público? Por quê?
É onde encontramos solo fértil. A criança está na idade boa para se aprender o certo sem o erro e o preconceito, mas também escrevemos para adultos, pois a maioria deles também tem espírito de criança.
4 – O mágico e o encantado aparecem nas suas obras. Você poderia explicar o que é o mágico e/ou o encantado para os leitores? Poderia exemplificar alguns encantados da tradição Maraguá?
O povo Maraguá e também o povo Sateré são ricos na cultura do sagrado. Herdei deles esse encantamento de minhas obras. Eu que estudei na Universidade conheço o mundo da cidade e a filosofia do branco, porém nunca perdi meu caminho da Mata. Os encantamentos ali me ajudam a não me perder no caminho. O místico é algo que o morador da cidade, o homem materialista já não mais entende. Eu é que não vou explicar algo além do entendimento de quem já perdeu a essência do sagrado rsss. Para ouvir de mim sobre o sagrado tem que voltar a ser criança. Tem que retornar à magia que a alma traz consigo e que infelizmente a maioria de vocês da cidade já perderam.
5 – Quantas obras você já publicou até a presente data? Você tem um catálogo que poderia funcionar como guia para o seu leitor-fã?
Claro. Tenho 27 livros e 5 participações de antologias com outros autores. Cada livro publicado é um filho e cada filho é mais especial que outro. Só tendo a crescer.
6 – O NEARIN – Núcleo de Escritores Indígenas nasceu em 2003. Conte-nos de sua participação nele e o que mudou para você fazer parte desse núcleo de escritores.
Nós iniciamos o NEARIN. Fundamos ele. Ajudamos a moldar uma literatura até então dita inexistente. Agora? Com isso mudamos o mundo. Fizemos história. Já estamos com o nome escrito na glória da ousadia universal. Começamos com poucas pessoas, agora os feitos estão todos aí escrevendo livros e palestrando. Ajudando em nosso caminho. O mundo indígena foi invadido pelo mundo branco. Mas ao invés de sermos bombardeados por sua cultura, estamos bombardeando com cultura a literatura do branco.
7 – Alguns escritores indígenas optam por morar e fazer carreira na região sudeste do Brasil, ou no grande centro como são conhecidos. Você, Roni Wasiry Guará, Tiago Hakiy optam por viver na Amazônia. Aponte os aspectos positivos e negativos de sua opção;
Alguns veem aspectos negativos. Eu só vejo aspectos positivos. Eu estava em São Paulo e voltei pra cá. Resolvi retornar às origens. Mesmo com críticas de amigos. Mas era o que eu queria. Não queria a grandeza nem a fama, queria só ajudar, transformar e conscientizar os daqui de casa, daqui da aldeia. Assim. Quando saio, eu saio e sou o escritor Yaguarê. Então eu retorno, volto para meu casulo, minha floresta. Que linda essa minha vida em dois mundos.
8 – O mês de abril é inequivocamente conhecido como o mês do Índio. O data comemorativa, 19 de abril, foi criada através do decreto-lei 5540 de 1943, mas foi proposta em 1940 por lideranças indígenas, no Congresso Indigenista Interamericano, realizado no México. O que muda para você nesse mês?
rsrsrs. Nada. Aproveito esse mês para ganhar uns trocados dando palestras por aí pelo Brasil afora. Mas é um dia comum. Sem significado algum.
9 – Historicamente, a doença do não indígena assolou os povos e sujeitos indígenas. O avanço da Covid-19 pode chegar às comunidades indígenas repetindo o mesmo drama do passado. O atual governo, por sua vez, não tem mostrado uma postura que defenda a população em geral, e muito menos os indígenas. Como você avalia essa situação?
Que esse cara já tá passando do tempo de cair fora. Ele ficará na história como o maior perseguidor dos indígenas em tempos atuais e o que foi derrotado por nós
10 – Qual a melhor forma de resistência à doença e ao governo atual?
É não desanimar. É continuar lutando demonstrando como somos fortes. E que não é nenhum preconceito ou perseguição racista que nos irá fazer desistir de lutar por nosso povo.
Parabéns
Força guerreiro conringue a luta com conhecimento e os povos indígenas agradecem, por ter alguém que mostra a luta e culturas diferentes dos nativos do Brasil.
Gigantesca admiração por esse grande escritor! Sou mediador de leitura e as obras do Yaguarê sempre me acompanham em minhas ações de leitura. Eu e as crianças que atendo nos aventuramos com as histórias de assombração. Um dos meus textos favoritos é “O Kâwéra” que está na obra Murugawa: mitos, contos e fábulas do povo Maraguá. Grande abraço ao Yaguarê e aos seus leitores! 🙂