Talles Medeiros Machado Horta (Rio de Janeiro, 1984). Poeta, autor de um único livro: Floricultura para traças (2009).
HASTE
Os sarcófagos de um novo alvorecer foram desbravados:
Eis a escala da vertigem; a exasperação das dormideiras.
As cristas das ondas: quilhas de prata.
Os faróis: pupilas e íris embotadas.
Os sais, as águas e os zéfiros esculpindo
Os corpos ancestrais das rochas.
Ó! as espumas brandas e os ternos precipícios da luz!
Nas elevações, desvenda-se um mar de diamantes
Que sempre foi, é e será…
E os seres dispersos no marulhar da Terra,
Onde os rastros de um astro orquestram
Os sonhos de ouro das marés.
ALEPH
As matérias geradas para a dissolução.
O perfume ferruginoso e rubro da vida;
A tenuidade barroca da carne;
A maresia rancorosa dos mares
E os mares de turmalina verde
Diante dos olhos.
O ciclo da argila persevera,
Através da seiva e do leite.
Nas planícies estamos sós;
Nas elevações e nos declives, sozinhos.
Não há saída fora de Deus e da Arte.
O restante é sombra e pesadelo.
Há guerra em toda parte,
Onde não há guerra não há mundo;
Todavia, o mundo deve ser superado
E com ele a dissonância das línguas.
De cataclismo em cataclismo,
A civilização é fundada pela poesia.
A poesia é o maravilhoso.
E o maravilhoso é indizível e aterrador.
Após o êxito sobre o t(r)emor:
Miríades de flores, harmonia
Das estrelas e mares.
Há uma dignidade no erro
Ignorada pelo fanatismo irreligioso.
Sonda, sem vertigem, precipícios,
Percorrendo nu o Santuário,
Reconhecendo seus frutos, seus aromas,
Suas elipses, seus dogmas, seus sinais.
Não mais empalideça
À face de Deus:
— O Zero reside em nós.
AZOTH
A Sabedoria do Sal cessa a mecânica do possuir:
E, por um breve instante, eis os solitários espectadores da vida,
Da efemeridade, da transcendência e da morte.
A ancestralidade dos instintos e a juventude da razão emergem em uníssono,
Os batizando na cosmogônica beleza do naufrágio universal
E os concedendo uma parcela da eternidade.
Há uma força por trás das aparências
Vertiginosamente ainda mais maligna e luminosa
(Uma luz que desce, uma luz que sobe;
Uma luz que sobe, uma luz que desce):
Outras Estações, outras Rosas-dos-Ventos,
Outros Selos (7 Sentidos, 7 Vogais),
Outros Poliedros, outros Pleromas, outras Espirais;
Posto que são, em suma, outras Escalas,
Esquadros, Compassos e Escalímetros.
De modo que São João Batista
— O Virgem — era Elias, somos nós, os seres, estes e isto?
Os Peões, os Cavalos, as Torres, os Bispos,
As Rainhas e os Reis: meros joguetes nas mãos
De Demiurgos, Arcanos, Circes e Comprachicos;
Imersão nas águas da Eternal Samsara
Sintetizada e superada através da lâmina no firmamento,
Onde em êxtase e em chamas caminho,
E agora, sem mais véus e máscaras,
Nos miramos, nos tocamos, nos fundimos
Neste feitiço de um wagneriano cromatismo
De natureza oXidante e monocromática.
ABRE-TE SÉSAMO
O Sol, astro luminoso abatido,
Quedava, nivelando-se ao nível da terra:
— Ouçais este sibilino sortilégios
Ó cemitérios mitológicos e telúricos,
Pois conheço vossos tesouros,
Ó almas do outro mundo,
Pois sei, estais vivas,
Enquanto vós, meras vagas
Embaladas na superfície
Do Oceano, estais mortas.
Contemplais silenciosamente o meu arquejante
Corpo: trago no rosáceo e violáceo dorso
As Caravanas das Sílfides e a Espada
Dos Deuses para experimentar
Vosso sangue, despedaçar vosso ego
E florescer em primavera vosso espírito.
Será terrível; em seguida, sublime.
Reconhecereis assim, não de outro modo,
O que é Eterno e o que é Transitório.
Eis o Passageiro e o Regente da assimetria
De vossos cetros, elipses e calendários.
Conservo, a um só tempo, os pés enraizados
Na Terra e as mãos, ambos feixes de luz,
Tateando-se, propagando-se e repercutindo-se,
Rarefeitas, nos céus, nos multiversos,
No vácuo. A Lua — fria e desolada
Irmã menor — derrama uma alquímica
Poção sobre vossas composições,
Alterando o rumor de vossas conchas,
Enquanto lustro as formas, fazendo emergir
Das espessas sombras o anfiteatro denominado vida.
Dançaremos ao som das rodas, das engrenagens,
Nestas plataformas, nestes altares.
Serei a tocha que, pela iniciática e corrosiva Eternidade,
Acenderá vossos incensos, recolhendo as cinzas
E lançando os agridoces vapores em direção às Estrelas.
PERDIDO NO BOSQUE DO AMOR
A Paixão é a maior de todas as fatalidades:
Em seus leitos iridescentes necessito banhar-me
E de suas rubras vísceras alimentar-me.
Neste santuário de sombra de sombras,
Afogado, feito Ofélia, em seus olhos,
Jamais procurarei salvar a minha vida,
Posto que a mesma já encontra-se perdida;
Mas perdê-la ainda mais em ti:
— Ó Inefável Luz!
O Inefável se sente, não se explica.
No isolamento deste laboratório,
Deste cimo de montanha,
Desnuda-se, semelhante a serpente, da própria pele,
Semelhante a lua, da própria sombra,
Aquece-se o mercúrio, dilui-se o enxofre,
Transmuta-se o chumbo e a carne em ouro,
Toca-se as pontas dos dedos nas nuvens,
Observa-se a tempestade, elementos em fúria,
Bate-se três vezes o cajado,
Amplia-se o inconsciente:
— Eis o Religare da Pedra.
As areias são ideias; as ideias são areias:
Terra, água, ar, fogo são um só.
Morrer e renascer cada dia.
Morrer. Renascer. Cada dia. Osíris.
Há inumeráveis equações subjacentes
Permeando seres e demais formas.
Pitagorismo? Antropomorfismo?
O ser e o número são e não são a medida.
Não há medida. Eis o limiar.
A Luz perpassará tais estações
Em busca de mais Luz,
Harmonizando água e vinho,
Coagulando as paisagens, os sóis
E as luas, as galáxias, o elixir:
— O Leão e o Cordeiro em nosso sangue.
PERSÉFONE
Conquistado o Leão de Neméia:
Ornado numa túnica mágica;
Do crânio — edificado elmo:
Torres e Fúrias não exiladas,
Diligentemente convocadas
E suplantadas ao serviço de Crono.
Mão invisível torna-se visível:
— Alicerça-se sobre a minha.
Movem-se as bordas da Roda;
Imóvel permanece o Eixo:
Leis mais antigas que Deuses
— E nem Deuses ousam desafiar.
Ó Gea! ciclos eternos, infinita
Flutuação, útero, foice e silêncio:
Pressentimentos de Moiras a fiar;
Magia, fortuna e destino tecidos;
Quatro fases da lua, três idades:
— Antevisão da Mãe Noite (Nix),
Prestígios, fecundidades.
(A)NÁGUA
Movemo-nos num Rio de Símbolos,
Onde Símbolos ocultam Símbolos
E a Bárbara Lógica do Fogo faz morada:
Fluxo e Refluxo da Chama, da Cintilação;
Simultâneos Leitos Intercambiáveis
Desaguam no Dorso de uma mesma Praia,
Encenam Sonhos de Uma Noite de Verão,
Trovadora Cancão, Bruxarias, Odisseias, Eneidas, Ilíadas,
— Içados Sóis, Luas, Véus, Poções, N(aves)
A Luz da Alquimia é idêntica ao Trespasse:
Umidade e Secura nas mãos da Vida mitigará;
E o Vestígio da Fonte, nesse níveo instante,
Mais puro que Ofélia se evidenciará.
Persiste Deusa Memória nos Monumentos,
Nas Paisagens, nos Estados D’Alma, N’água:
Metal Polido dos Satélites, das imagens, das Galáxias:
Círculos Concêntricos da Música Originária.
SEREIA
De folhas de parra coroado;
Do caudaloso vinho
Das veias embriagado:
Ri(t)os etruscos de Mercúrio,
Onde sereias entoam hinos
& os anéis de Saturno bailam.
Homero — o Peloponeso;
Hesíodo — o Hélicon:
Searas, sereias e sendas
Ao encontro do Titã.
Ri(t)os da Rainha:
(in)fluxo em anéis.
Bosques de Pã:
Cortejada vinha:
Ru(í)nas, menestréis.
Clarividente cetro;
Prismáticos palácios;
Do Triton o aquário:
Opulência & ru(í)na
De devaneio tétrico:
Berço da Harp(i)a;
Vertigem de aço;
Labirinto claro:
Ri(t)os, anéis e sereias;
Hinos, ru(í)nas e veias;
Sea(ras), bosques, (s)(f)endas…
TÚNEL
Olor mágico de teu cavalo:
Desmaiadas crinas de sargaço.
Da caverna, eflúvios (in)vertidos:
Transmigrações do ri(t)o.
Profundo silêncio (de)cresce:
Interiorização da matéria,
Exteriorização do espírito;
Exteriorização da matéria,
Interiorização do espírito.
Atravessando a neblina:
Adentrando o Quasar.
Rá(Ísis): papiros,
Esfinges, ânforas, múmias,
Lâmpadas e espelhos.
Imersão; emersão:
Caminho sob(re) águas.
Instinto anfíbio. Nilo.
(Voy)(:)age tubular:
Basho (des)conhecido.
FAERIE
Fiel à estrela na noite cósmica, Fada:
Abracadabraabraxas; bonsai; origami;
Adaga n’água; pentagrama; linguagem mutante.
Desde que soube de sua existência
(Uma existência por toda vida pressentida),
Não mais vivo, sobrevivo: sonâmbulo percorro
A estrada tornada ainda mais vertical e sinuosa,
À sombra dos feixes lunares, dos arbustos, dos véus e de ti.
Desde o balé do bosque, onde a própria lua de ouro bailou,
Ao som metálico dos augúrios dos pássaros,
De um feitiço tanto impressionista quanto expressionista:
Bebi de sua taça, adentrei ainda mais o seu vórtice:
Pequeno prelúdio e doce jaguar ao encontro de seu (n)(s)exo.
Enfim, palpável Bryn yr Ellyllon: ao alcance
Da respiração, da visão, do cetro e das mãos.
Muito bom
Imagens inusitadas. Parabéns, moço