.3 Poemas de Paulo Machado

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Paulo Machado, é advogado, defensor público, poeta e contista. Pertence a geração pós-69. Participou de coletâneas e antologias. Ganhou alguns prêmios literários. Na década de setenta, fez política estudantil e editou, ao lado de companheiros de geração, o jornal mimeografado “Zero”. Integrou o grupo responsável pela edição do jornal alternativo “Chapada do Corisco”, em 1976 e 1977, em Teresina. Publicou Tá pronto, seu lobo? (1978) e A paz do pântano (1982), livros de poesia. Publicou também As trilhas da morte: extermínio e espoliação das nações indígenas na bacia hidrográfica parnaibana piauiense (2002).


Um Galo Negro

Um galo negro,
(no campo absurdo
da página branca)
estranhamente esquecido
entre papéis, na escrivaninha.

Um galo negro,
(crista serrilhada
e afiados esporões)
desvelador de auroras,
desafia a fúria do sol bronze.

Um galo negro,
(trama de ramos de parábolas
e instigantes linhas quebradas)
ícone reinventado
no desenho de
Gabriel Archanjo.


Herança

na senador pacheco 1193 há um poema
onde os primos, em volta da mesa, guardam suas ânsias
diante das pastilhas de hortelã.

e o avô na sala de espera
sonha com o voo dos pássaros
buscando as canaranas.

(às vezes de sobrecenho, fala da guerra de 14,
da gripe espanhola)

o tio já não tosse dentro da noite
arranhando um estranho silêncio
no fim do corredor
que muito se assemelha
ao gesto acanhado dos meninos
com suas canecas, à espera das cabras.

no verão, da mesma forma que no poema,
não há lodo no muro
e as lagartixas passeiam ao sol.

da nudez das pedras e do vermelho
arrebenta um verso
cicatriz esquecida.

(nesse poema o difícil
é não ser trágico)
no quintal, a erva cidreira cresce
por entre as rachaduras das lajes,
sussurrando boatos de revoltas.
na sala de jantar, o perigo do naufrágio
nas tradições de há séculos.

há um poema que rói o tédio,
na senador pacheco, 1193.


O Rio

preciso urgentemente escrever um poema!

que os versos sejam vorazes,
lembrando do rio de minha cidade,
comendo as pedras do cais.

mas como escrevê-lo?

como domar o rio de minha cidade
à condição de poema?

o rio de minha cidade não pede adjetivos,
principalmente recusa os que o tornam abstrato.

o rio de minha cidade é um rio migrante,
Por que aprisioná-lo no corpo de um poema?

o rio de minha cidade guarda em suas entranhas
o orgulho do homem sozinho.

o rio de minha cidade é água viva na carne,
água pesada na memória.

o rio de minha cidade é torto
como uma cicatriz
fazê-lo reto seria contradilê-lo

vivê-lo, petrificá-lo nas retinas
esquecê-lo, jamais

preciso urgentemente escrever um poema!

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