2 Poemas de Yamil Maldonado Pérez (Porto Rico, 1992)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Yamil Maldonado Pérez (San Juan, Puerto Rico, 1992). Publicou no jornal Claridad e na revista Trasunto. Atuou como palestrante na apresentação da coleção teórica de Joserramón Meléndez. Seu primeiro livro de poesia, A genealogia das árvores, foi publicado pela Isla Negra em 2019. Em maio do ano corrente, será publicado seu primeiro romance, Half-dust, pela editora Sangre Fría. Realizou seus estudos de graduação na Universidade de Porto Rico e atualmente finaliza seus estudos de pós-graduação no Centro de Estudos Avançados de Porto Rico e do Caribe.

Seleção por Gladys Mendía do livro para download Mar-gén (LP5 Editora, 2020).


***

A quem eu escrevo
É a ela
a quem eu escrevo na tua ausência
não és tu,
teu fantasma,
tu, quimera
sopro rotundo,
essa canção tão tua que te supera,
que não lhe bastará o peso
de túmulo na memória lapidária.

Que eu quero ser do mar
quando me sinto
a nomear-te constelado.
Que eu quero ser recôndito
na minha astúcia
e direcioná-la a depurar
dele toda a tua forma.
Que seja o teu corpo
o primeiro a relampejar
quando coincidirem em mim
tua voz e tua luz,
convidadas de nenhum lugar
e chegadas de todos os cantos.


***

Escuta-me, irmão meu,
a tinta é o fluxo da História,
a voz, fora, terá a própria
sua.
Mas ela, por mais velha, é mais ingênua.
(Duvido que o diabo tenha previsto o capital.)

Escrevo-te desde um silêncio
para outro.

Quando a mente em miragens de som
desembainha sobre a tua ira, seu vibrato,
que a tinta no seu mistério
às vezes aplaca, às vezes
alimenta o fogo.
Mas o fogo dirigido é magma,
contra o fogo da ira sem espécie.
Esse fica contrabandeando intempéries
e se desola na morte do amor.

Não sei quantos dias à frente o trabalho,
quantos passos darão os anos do penhasco
com o qual aqui, agora,
envaso este nada para ti.
Já mais, não resta muito que escrever,
intitular, talvez isto: “Contra o irmão”
e enterrá-lo nos balcões do esquecimento.
Mas será leitor, como um abutre,
circundando uma torre de silêncio,
velando esses corpinhos humanos,
que a tua fome devolve para o mundo.

Será certo que ambos somos,
como o abutre e como o chumbo
desses corpos, em ante-sala
de renovação. Não te irrites se te digo, que
já ando nos ventres
de aves carniçais de prata opaca,
enquanto tu, na altura da torre
esperas recoberto de ouro brilhante
assim, por mais abaixo, mais belo,
mas vês que já estive muitos séculos
com o pescoço fixado pela morte,
em mim mesmo, inertizado, sem mola
e nu contra o frio,
assim entenderás, irmão meu,
que um corpo vazio,
melhor, por
o mundo, dispersa,
sem fugir para nenhum lado.

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