O tango é para a literatura o que a literatura é para o tango

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Por Sara Pardo Del Río, Jornalista.

Nos últimos meses, tenho me sentado para escrever sobre muitas coisas. A principal, e talvez a menos nova, é sobre o amor, o desespero e a solidão que vêm acompanhados pelo profundo silêncio imposto pelas grandes ausências. Sentada, então, em uma das minhas cadeiras favoritas, com meu cachorro ao lado e com um tango de fundo, refleti sobre os anos de vida em que o tango se tornou uma narrativa profunda da sociedade argentina.

Os poemas e versos não estão apenas nos livros de Pizarnik; essa morte que te persegue nas sombras da memória não é exclusiva dos existencialistas como Sartre. O cantor de tango Jorge Falcón, por exemplo, também sofria uma grande dor em suas letras.

Essas letras, marcadas pelo som típico do bandoneón e pelas melodias de um tango dramático e honesto, estão carregadas da leveza de amores não correspondidos, de infidelidade e de suicídio. Em que, então, diferem as letras que Falcón cantava da desdita de Pizarnik? Em absolutamente nada, exceto por dois gêneros diferentes que se complementam tão perfeitamente quanto a água e o sal.

Dizia o autor de *Amor Desolado*, Jose F. Dicenta: 

“Coloquei rosas negras sobre a nossa cama 

Sobre sua memória, coloquei rosas brancas 

E, à luz difusa da madrugada 

Tirei a minha vida, para não matá-la”.

Através dessa canção, os criadores – e digo criadores porque, por trás da interpretação de Jorge Falcón, havia uma equipe de artistas – alcançaram um sucesso que falava da dor e da desdita de perder um amor, o que interpreto como a infidelidade de uma mulher.

Neste mundo literário e musical, nós, mulheres, falamos muito da infidelidade sofrida por um homem nos braços de uma qualquer. No entanto, pouco se menciona a dor dos homens, que também podem ser vítimas da traição de uma mulher que se acomoda no ventre de outro. Me pergunto, então, o que José F. Dicenta sentiria ao escrever a letra de *Amor Desolado* ou o que Alberto Cortez pensaria ao criar a melodia para essa grandiosa obra de arte.

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É um poema que vai da literatura à música e, na minha opinião, um hino do tango. Muitas vezes, o pouco que as pessoas sabem sobre tango vem do grande Carlos Gardel; no entanto, fala-se pouco de outros grandes intérpretes, escritores e compositores que narram, como qualquer romancista, a angústia desesperada do amor, da morte e até da trágica cotidianidade dos dias.

Minha evocação para vocês são as palavras desses artistas, que ressoarão em minhas letras e no meu canto musical para sempre, como um lembrete de que a poesia e a literatura não são apenas livros que se leem, mas também canções que ecoam ao longo dos anos, embora suas vozes se silenciem com a partida daqueles que as cantam.

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