5 Poemas de Miladis Hernández Acosta (Cuba, 1968)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Miladis Hernández Acosta (Guantánamo, Cuba, 7 de janeiro de 1968). Poeta, editora, crítica e ensaísta. Graduada em História pela Universidad de Oriente. Publicou o ensaio: Las náufragas porfías (2016). Livros de poemas: Al cielo dividido (2023), Los salientes (2023), La niebla del paraíso (2022), Los expolios (2022), El oro del imperio (2022), Bosque de Tárnow (2021); Viento de cenizas (2021); La confesión infinita (2020); El fuego del ángel (2020), Al sur de los páramos (2020), La sombra que pasa (2020); Después de la caída (2020); Memorias del abismo (2020); Los imponderables reinos (2020); Libro de los prójimos (2020); La isla preterida (2019); Diario de una paria (1994) y La burla del vacío (1995), entre muitos outros. Suas obras foram incluídas em antologias cubanas e estrangeiras. Ganhou os prêmios Tomás Savignon em 1992 e 1993, o prêmio Regino E. Boti de poesia em 1993, 1995 e 2000 e uma menção em ensaio em 2000, Manuel Navarro Luna em 1993, e José María Heredia (prêmio de 1995 e um menção 2006), primeiro classificado no 6º Concurso Internacional La Puerta de los Poetas (França, 1998), prêmio Santiago 1994; Prêmio Ángel Escobar 2002, menção especial no Encontro Ibero-Americano à poetisa Dulce María Loynaz (2000), menção no concurso Palma Real (Torino, Itália, 2003) e menção Alcorta 2009. Primeira menção no concurso Hermanos Loynaz 2016. Miladis mora no Brasil.


DE VANCOUVER AO RIO DE JANEIRO

Sempre dei alguma importância ao facto de ter nascido em janeiro
Já que algumas revoluções começam neste mês
E crescem como eu sob rigor ou ameaça
Nessa estranha letargia que produzem os domingos
Onde procuro a engrenagem de uma fábrica
De extração de álcool da cana e não do trigo inflamável
Um dia que é denominado: início do dia comum.
Não sou comum nem consumo lágrimas de cobre
Mas sim obstinadas como as verdadeiras revoluções de lágrimas
O que os deuses fazem? Caranguejos que apalpo com o passar dos dias
Mais cruéis ou menos digerível de acordo com a parte da correntinha
Sobre a vala de drenagem que devem brotar os mosquitos tropicais.
Suponho que alguém sempre chega com bebidas exóticas
Para me aliviar no meio da tempestade e passa a mão nas minhas costas
Ou em meu umbigo querendo tirar ou por o que me falta por x motivos.
A minha filha me explica como um rio de outro país de língua portuguesa
Nasce em janeiro e escapa querendo unir esse rio comigo
Assim como uma bala escapa ou uma virgem desce da tabuleta
Quando o mundo não for mais
Do que uma procissão castradora da aldeia
Chorando de um lado para outro
Por formas comuns de sobrevivência.


NIGÉRIA/MATANÇA DE CRISTÃOS

Teremos que procurar as peles ou a terra – enegrecida –
Sem caldeiras que ofereçam o suco – imprudente –
Para que a fome ou o crime não ocupem a razão.
Teremos que nos ajustar. Assimilar é um ato imprudente
Como o caldo fervendo dentro do ferro brilhante
Sem que uma nova existência – possa surgir –
Substância progressiva para me erguer
Ou dar-me por vencida quando já o fiz
Antes que o fogo pregasse e a gordura saísse
Dos cristãos que oravam.
Sou apenas aquele que sai do caminho ou busca em outro lugar
O que não oferece nenhum mercado.

Teremos que voltar para a caverna profunda
Evitar um cisma sem que nada seja tomado à força.
Dizer adeus aos efeitos dessa folha insípida
Com sabor estranho que encontro no fundo de uma cisterna.

Teremos que sair do buraco ou do orvalho
Acalmar-se como a nuvem se dissolve
Sem absorver água
Não é insular nem serve apenas aos crentes.
Não sou eu quem relaxa
Só não sei onde consegues o pasto mais fértil
Nem uma planície para a neve
Nem essa alegria que nunca tive em minhas artérias.
Qual é de fato o estado natural de um homem que sobrevive
Para rastrear comida? Muitas onças que vão
Pelo rio ou pelo caminho das ondas
Em direção àquela tenda dos servos
Onde estamos todos em marchas de guerra
Ou outra forma de ressentimentos
Contra a calçada ou o contrapeso desses corações
Alho finissecular ou massa de fígados nigerianos
Como pães cortados na balança.
Há um osso viril dentro do tabuleiro e algumas cebolas.
Ao redor dos comerciantes encontro esse algodão.
Café. Aspirinas. Amendoim – torrado –
Restos do sabor que a escassez cozinha. Carne – viva – saltando
Rachaduras brutais ou pesca de coisas mortuárias.
Como posso me recompor com esses raios de sol que envelhecem meu rosto?
Como substituir uma cabeça de ovelha pendida em um gancho
Gotejando sua última lágrima?
Cabeça de ovelha que enterramos no chão quando acreditamos
Que – presumimos – assim
Que depois de ter dado – tudo –
Em pó – trigo – ou isca para os devotos
Eles tenham nos traído.


OBSERVATÓRIO

No começo era a ação. Depois as palavras. A razão ou forças para destruir as palavras. A princípio chegamos. Depois saímos sem aquela paz ou nó de crianças extraditadas. Um tronco quebrado. Pretexto na caverna onde vi as pedras se imporem. Quedas ou submissões? Um lugar. Barcos de madeira refletem uma frota mal salva. Chuva nas pedras ou naquela rachadura. Chuva em uma ponte ou essa usurpação. Uma lente na estrada. Um ferro mais fino. Contemplação de raízes cortadas. Um movimento firme em direção à perda. Alcançar a deficiência estéril. Congelamento ou impressões digitais? Armações para nos aproximarmos da desobediência. Temos que expulsar os espinhos ou nos compadecermos. Gretas de ontem ou desta noite com líquidos mortais. Uma porta para a caverna. Um antepasso. Letreiro com sentido inverso ou uma fila engrossada de belas mulheres. Aves de bandos diferentes onde morrer é essa coalizão na caverna ou esse golpe que damos nas alturas para depois retroceder. Morrer é esse buraco frio onde cabe uma última conversa ou as palavras extremas. Ruínas ou sucessões no olho incauto? Excitação que se antepõe ao dia ou ao vento. Vasilhas. Uma tuberosa. Um turbante. Uma lua que regride. A boneca grita. Sigo como antes, com um níquel forte na língua. Vou imediatamente ou mais tarde morder o osso póstumo do extermínio ou esse seio de uma lua já morta.


CIORAN. NUVENS

Sede pelo humano. Seja imoral. Sede desse espelho ou dessas nuvens que te deixam triste. Deixe-me perguntar ou me estabilizar. Pensei naquele homem morto que fica acordado em um quarto escuro. Pensei que ele antes esteve em uma ambulância. Reconheço-me na última parede como um imprevisto. Subi com a lei do silêncio. Sujeita aos flancos débeis de uma irmandade sem futuro. Subi vendo os mortos passarem pelo umbral confiscado pela morte. Somos todos quem somos e não o que poderíamos ter conseguido. Qual é o desejo de abrir caminho às feras que engolem os sabres brancos com que as ferimos. Qual elevador para descer com a mulher morta que respira? O que me faz pensar nessas estranhas aniquilações?
O que me faz pensar em todas aquelas ideias que me levam como um criado entediado a um quarto escuro. Se eu pudesse me entregar às sedas ou a algum assassino. Agito – sozinho – essa sede que me vence quando destruo o humano. Cresci rejeitando um falso inimigo.
A única coisa certa é me conter ou me abrir diante desse falso inimigo. Tenho pensado nessa sede pelo humano. Eu mesmo tenho sede pelo humano. Estou explodindo pensando em como sobreviver quando esse inimigo irredimível vier comigo.


MASSACRES

August Hafner, comandante alemão ordena atirar/
Cada tiro reduz um grito absurdo/
Cada tiro expressa os controles/
Atirar é um fato acidental
No ato de matar há um desejo casual de fixar o entusiasmo/
Corpos contra as balas como quem dar as cartas no pôquer
Ou como feras são cortadas em pântanos/
August Hafner, comandante alemão precisa de um salário/
Comprar presuntos para obter o comando/
Atrás de cada massacre há uma recompensa
Resíduos de vidas / gula ou enlace
Para avançar com o sangue que é drenado
Não lhe falhem as pernas ou as munições/
August Hafner segue ordens e passou no exame
Seguir ordens é ir até outra cavidade
Onde o medo é sentido ou uma ereção aumenta
No mais secreto/
Fuzilar nucas é o objetivo. As nucas sustentam a cabeça/
Cada cabeça que rola é uma pérola que é divinizada/
August Hafner segura as mãos de uma menina ruiva/
A menina é a morte que se instala
Sem perspectiva alguma/

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