5 Poemas de Sandra Santos

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Sandra Santos (Portugal, 1994). Estudante, escritora e tradutora. Licenciada em Línguas e Relações Internacionais (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), é atualmente mestranda em Estudos Editoriais (Universidade de Aveiro). Participa em projetos culturais, artísticos e literários. Traduz do português e inglês para o espanhol e do espanhol para o português. As suas traduções estão publicadas em Portugal, Espanha e América Latina, nos blogues e revistas Cuaderno Ático, Buenos Aires Poetry, escamandro, Círculo de Poesía, Poesia vim buscar-te, Otro Páramo, La raíz invertida, mallarmargens e Bitácora de vuelos. Partilha o seu labor poético e artístico no seu blogue: http://sandrasantos-ss.blogspot.pt/. Em conversa com Floriano Martins, quando lhe indagou o que a criação de um poema representa em sua vida e como ela o percebe em relação a outras formas de expressão artística, Sandra então respondeu: Construir um poema é erigir uma escultura de barro: usamos os dedos para adicionar pedaços e com o esteco cortamos excessos. Conseguir que a peça esteja em equilíbrio exige preocupação com o esqueleto: deve ser sólido o bastante para não vergar e flexível para se ajustar à harmonia do invento. Finalmente, a obra pode ser transfixada por ocas longarinas, que deem passagem à diversão do vento: a música transforma o poema em instrumento!


UM GATO DENTRO DA TORMENTA

numa manhã impossível – inda dormia
um tradutor de fábulas

sobre o travesseiro de Papini

sob as pálpebras escreveu
seu pesadelo

atrás dum gato, entrou na ventania
levantou voo, estatelou-se, e vinha
o trem

by the way
the cat of Hemingway

numa cena só sonhada por Fellini

fim da história
lá ficou o homem
entregue às moscas varejeiras
de Quiroga

prometeu-se dali
de ora
em diante ser insone
acordar
morto desperto
de Lugones!

referências:
Lo specchio che fugge, de Giovanni Papini
Cat in the Rain, de Ernest Hemingway
Las moscas, de Horacio Quiroga
El hombre muerto, de Leopoldo Lugones


[CANCELEM O POUSO]

cancelem o pouso
das borboletas

cancelem o nado
dos cachalotes

morreu o amor

cancelem a migração
dos pelicanos

cancelem o planado
das fragatas

morreu o amor

cancelem o canto
das arapongas

cancelem o acasalamento
das corujas

morreu o amor

cancelem a vibração
das cordas

cancelem as engrenagens
dos relógios

morreu o amor

cancelem o combustível
das estrelas

cancelem a luz
da via-láctea

morreu o amor

cancelem a dureza
das granadas

e o silêncio das safiras

cancelem a cor desta manhã
que está de luto

porque morreu o amor

cancelem os próximos crepúsculos
deixem só

a noite!


EM TEU NOME

sob um lençol modigliano
desperto só
em meu leito

nas unhas
escrínio
resquícios de teus pelos

antes que te evapores
cheiro

presença fantasma
do teu sexo
na garganta

meus pés procurando os teus
por toda a noite fria

acendo o cigarro da propaganda
vintage
fumo sem fome

vida ao revés
definho

bebo cachaça na taça do vinho

e escrevo este poema ao invés
do autoerotismo
em teu nome


A ARTE DE CULTIVAR GIRASSÓIS

Van Gogh colhe agora
quinze girassóis em Arles

porque um xamã das Américas
tem febre e flores na cabeça

uma flor se levanta às 6:15 da manhã para compor
um arranjo

quinze capítulos de
girassóis amarelos

onde contemplo a luz
dos teus olhos


ROSMARINHO E OUTRAS ERVAS-DOCES

então, tu perguntaste…

depois de nós brincarmos de estender lençol de elástico
depois de nós prepararmos café italiano e tacos
depois de nós interrompermos a caminhada para resgatar um pássaro
depois de eu alçar-me aos teus ombros
para alcançar um galho com pitangas
depois de nós corrermos pelo campo até perdermos o fôlego – e continuarmos a perdê-lo, deitados na grama
depois de tu amarrares no meu dedo um anel de cipó
depois de tu removeres o espinho do meu polegar e eu tirar um cisco do teu olho

depois de colhermos juntos as marcelas de abril e semearmos rindo
uvas imaginárias numa lavoura de vinho

então, tu perguntaste
o que é o amor?

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