3 Poemas de Lucía Santos (Honduras, 1989)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Há uma atmosfera, há um anúncio na evocação da poesia que vem dos poemas de Lu Cía [Lucía Santos]. Não se pode falar de si sem mostrar também que a crítica à sociedade e ao meio encarnado, assim carrega o peso das desordens impostas, é assim que Lucía Santos nos faz ver que a realidade não se reflete apenas na literatura, sem a crítica. Deixando de lado também aquela fala do ego, do self como ferramenta única, da sombra que vê a luz como quem vê um televisor: Lucía Santos diz, com seu modo de usar a linguagem, que se pode argumentar à pós-modernidade, aos seus elementos, para ressuscitar o espírito, como quem usa uma ferramenta para moldar uma escultura. Mostra que o medo da apropriação da linguagem e das formas da [vai, digamos assim:] nova poesia, é um medo psicológico, um mal infundado. Existe aquele lado humano que nos fez perceber essa civilização de fumaça, luzes e espetáculo. Existe aquele lado humano, empático, cosmológico, contemporâneo; ainda na poesia, ainda.

Rommel Martínez


O PULSO

Com a silhueta forçada
e as cores opacas;
sobre mim
o suor da noite excitada,
dentro de mim
manchas de encontros descuidados.
Quieta,
sem dizer, ou fazer
com a pele curtida
o dorso desgarrado,
com os braços cansados
e as pernas obstinadas.


[JÁ NÃO CONHEÇO O SILÊNCIO]

Já não conheço o silêncio:

Escuto a terra vibrar,
a minha pele arrastar-se,
o sangue percorrer-me.
Tenho medo de abrir a porta,
tremo e suo por não saber onde estou.
Fecho os olhos e sigo vendo,
não distingo a luz da escuridão.
Suspiro por não recordar respirar.
Vejo-me no espelho para não me esquecer.

              Que perdure a madrugada
              ou amanheça desagradável!

Porque não sei se estou sonhando;
e até que algo ocorra, escrevo
pois não sei se amanhã existirei.


[SOU O QUE NUNCA EXISTIU]

Sou o que nunca existiu.

Viajei pelo mundo
porém jamais cheguei onde devia.
Acabaria com a fome
deteria o aquecimento global;
porém tanto aproveitei o ar condicionado,
a cadeira ergonômica,
e troquei o sol por leds
minhas palavras por facções que
não se parecem com as minhas.

Construí algoritmos que abriam portas
que calculavam o tráfico e os furacões,
porém nenhum deu, um lar.

Como pretendi salvar o mundo
se esqueci os sorrisos
os abraços, os olhares?

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