5 Poemas de Francisco Ruiz Udiel (Nicarágua, 1977-2010)

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Curadoria e Tradução de Gladys Mendía

Francisco Ruiz Udiel (Nicarágua, 1977-2010) começa sua vida literária sob a tutela da escritora Claribel Alegría. Com o livro de poemas Alguém me vê chorar em um sonho, ganha o Prêmio Internacional Ernesto Cardenal de Poesia Jovem (2005). Seus poemas são publicados em diferentes antologias. Em representação da Nicarágua, ele participa de encontros e festivais de poesia no exterior. Tanto poetas e críticos literários internacionais quanto nacionais fixaram seu olhar na poesia deste autor (Jorge Boccanera, Waldo Leyva, Sergio Ramírez e Ernesto Cardenal). Ele também publicou Retrato de poeta com jovem errante, uma antologia poética de sua geração com um prólogo de Gioconda Belli. Seus poemas aparecem em A poesia do século XX na Nicarágua (Editorial Visor, Espanha, 2010); Antologia de poesia nicaraguense: Os filhos do Minotauro (1950-2008) (Revista TRILCE, 2009) e na Antologia do IV Encontro Ibero-Americano de Poesia Carlos Pellicer (Trilce, Villahermosa, 2008). Ele falece tragicamente na madrugada de 31/12/2010. Seu livro póstumo, Memórias da água, é publicado em 2011. Foi membro da Rede Nicaraguense de Escritores e Escritoras, Rede Internacional de Editores e Projetos Alternativos e Pen Internacional pelo capítulo da Nicarágua.


DEIXA A PORTA ABERTA

Para Claribel Alegría

Deixa a porta aberta.
Que tuas palavras entrem
como um arco tecido por ciprestes,
um pouco mais leves
que a inelutável vida.
Longe está o porto
onde os barcos de ébano
descansam com tristeza.
Pouco me importa chegar a eles,
pois longo é o abraço da noite
e curta a esperança com a terra.
Onde quer que eu vá
o mar me joga para qualquer lado,
outro amanhecer onde a imaginação
já não pode transformar o lodo
em vasilhas para armazenar memórias.
Estou cansado de acordar,
a luz me fere quando não quero ver,
a viagem a Ítaca nada me oferece.
Se ao menos houvesse um pouco de vinho
para embriagar os dias que nos restam
embriagar os dias que nos restam
que nos restam.


GESTO DESVANECIDO EM ESQUINA DE UMA ESTAÇÃO

Esta estação não será mais uma estação,
restará unicamente meu gesto desvanecido
na poeira de alguma janela,
se é que há janelas,
se é que decido nas estações
abandonar algum gesto.

Esperarei junto às cabines telefônicas
para que as horas se desvaneçam azuis
no meu cigarro aceso
com olhar triste e inclinado,
me verão apertar a mandíbula
para mastigar, como os pássaros
que migram de uma terra para outra,
qualquer bocado de ar
sem saber o que os espera.

O ar tornou-se amargo
e ainda não sei em quais outras estações
minha solidão encontrará outro corpo.


O POETA E OS SINAIS

A gente deixa de reconhecer
o homem nas palavras,
aquelas palavras que um dia se levantaram
sob o peso das pedras.
As palavras desprendem sinais
que o homem examina
sobre a luz persistente,
sobre a melodia que desiste na grama.
O esquecimento se infiltra em cada sinal,
e aquele balbucio final
—inaudível para todos—
são palavras que o homem devolve ao mundo;
palavras que lhe foram dadas ao nascer,
já transformadas em pontes, cavernas,
em fios de areia e fumaça.
Algum dia as palavras voltarão a ser homens,
outra vez pontes,
marcas contra o tremor da vida,
túneis rumo à liberdade.


PROCESSO PARA ESQUECER DEUS

Levantou as mãos e separou
todos os dedos

F. KAFKA

De nada te servirá, Andrés,
separar os dedos no ar
quebrar as unhas contra a parede
ou olhar pela última vez
para a rua escura
sabendo que não há nada
que ninguém te espera
que ninguém sentirá sua falta
neste fútil teatro.

Tua memória, Andrés,
são peles brancas estendidas
com sal em um imenso pátio.


DEBAIXO DE UMA ESCADA

Um dia caminhei debaixo de uma escada
até chegar a uma janela
que se perdia no fundo
de uma grande porta
que se perdia no fundo
de um grande abismo
que se perdia, que se perdia;
e assim parecia que tudo
estava prestes a se transformar
em uma sorte morro acima
como um compasso prestes
a medir o espaço que habitamos,
tropeçamos, caminhamos.
Nossa vida, eu sei,
é dividida por esse ângulo de destino lúgubre,
talvez porque uma vez que nascemos, nos perdemos.

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