Maria do Sameiro Barroso nascida em Braga (Portugal), em 1951, é médica, tradutora, ensaísta e investigadora; Vice-Presidente do Pen Clube Português, representante do World Poetry Movement (WPM) e Delegada Cultural do Liceo Poético de Benidorm em Portugal. É autora de livros de poesia, traduções e ensaios, publicados em Portugal e no estrangeiro, e organizadora de antologias e eventos culturais.
O Céu Vermelho, Espesso
A vida acaba por ser uma espécie de frase
que nunca se diz verdadeiramente.
Dizemos o fogo, os violinos.
Digo o teu nome, o teu lume,
a chama secreta que nomeia as coisas.
Ateamos as abelhas, as promessas,
as areias quentes, os lençóis do mar.
Lemo-nos nas metáforas ilegíveis.
Viajamos com os nitrinos
que nos atravessam por todo o lado.
Vivemos o corpo, a luz,
a Primavera nocurna.
Dizemos que as pérolas são estranhas,
e o céu vermelho, espesso,
de tinta apenas, simbiose inquieta,
cálamos e corais,
– as tuas mãos gaivotas soltas.
Neste Tempo Aquoso
Leio-te na eterna flor do tempo inconsciente.
Tudo o que subsiste é a inconsistência frágil
das horas turbulentas.
Na confluência dos silêncios, os sonhos
terminam abruptamente.
Só à noite, as lucernas dúbias respiram
a sua confluência exacta.
Só à noite, os rios se fundem na morte.
Neste tempo aquoso, pernoito nas bainhas
inarticuladas, nas tempestades de gelo.
Na fugacidade dos dias, termina a chama azul
das borboletas que morrem,
consumando a eternidade dos instantes.
Leio-te na enganosa luz das cidades sombrias.
Deito-me no leito antigo do mar encrespado.
Leio-me no terror que me devolve
às vagas de lume.
Só à noite, os poros da eternidade se abrem
às vagas negras de luz e pedra-pomes,
entre vagens macias,
e gavinhas doces de ervilhas de cheiro.
Asa-Poema
Sobre odes que triunfam, escrevo o meu nome,
cadáver obscuro, herança volátil,
letra e verdade, asa-poema.
Nada ignoro.
Nem o sentido das ondas, nem a libertação
sobre o crânio de gelo
onde o violino dos tempos flutua,
nas mansardas de sangue, papel,
sobre giestas de sangue
que as agulhas de marfim cosem
nos espelhos
onde a breve luz sufoca.
Ao Pintor Emerenciano
No labirinto, todas as portas se fecham
e se abrem, pois nunca sabemos descodificar
os seus signos.
Esquecemos, há muito, a sabedoria antiga
dos arúspices que liam, no fígado,
os novelos do assombro, o sangue fetal,
o mapa das estrelas.
O caminho astral faz-se agora sobre o fogo
desfeito das circunvalações do cérebro.
A tinta é a mancha aberta onde o corpo
respira a sua voz esquecida.
No labirinto, convergem as fontes,
as romãs, os caminhos silenciosos,
os subterrâneos precisos
que ateamos na imortalidade do tempo.
Noite Dissecada
Já não pernoitas no jardim luminoso
das quimeras inocentes.
Com os olhos vazados e a íris sem cor,
persegues os laços negros, a lua negra,
alheio aos subterfúgios da luz e da doçura.
Com os pulmões cheios de água
e os olhos esvaziados para sempre,
perdes-te de ti,
já não escutas a pulsação do corpo,
apenas a rosa gelada.
As faíscas saltam na héctica hierarquia
das nuvens, segregadas sem norte.
Na ciência da morte, inicias a peregrinação
ao sol, ao centro e à medula silente
onde flutuam corpúsculos lunares,
violinos corroídos entre flores de trégua,
suspensas da ígnea metamorfose
que oculta a torrente de sombra,
o sonho feroz e a rosa inteira,
guardada na pedra raiada-obscura
que observa a luz,
na noite dissecada sobre vísceras silentes.
Aqui é a Vania Ferreira, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.