Vanessa Teodoro Trajano é natural de Teresina-Piauí radicada em Brasília-DF. Além de escritora, é professora de língua portuguesa com mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal do Piauí. Participou do projeto Arte da Palavra promovido pelo SESC em 2017, em que viajou por diversas cidades do Brasil como palestrante e oficineira, e do 25º Encuentro Internacional de Mujeres Poetas na Colômbia em 2018. Possui ao total 14 publicações, entre antologias e obras individuais, as quais se destacam: Mulheres Incomuns (2012, contos), Poemas Proibidos (2014) e Doralice (2015, romance). Ela não é mulher pra casar (2019) é o seu quarto livro.
Éramos quatro, afinal, um rapaz e três moças. O bendito nos chamou para uma breja no fim da tarde e já fechávamos a primeira grade (bingo!), com exceção da senhorita Lins, que preferia vinho tinto. É claro, vermelho-sangue na boca é um convite inconsequente à paixão, e ela fazia isso de caso pensado. Sua boca tinha um desenho, digo eu, dos mais obscenos, por mais séria fosse – senhorita, diminutivo de senhora? Depois de umas doses, afrouxava o riso e os segredos, deslizes propositais, eu diria, para se ter encantada e maravilhosa por entre a gente. Enquanto ela desopilava como ilegítima ré confessa, eu a admirava. Tão leve, tão santa, tão minha amiga. Escrota. Acaba de revelar a todos algo que eu ainda não sabia. Fiquei com o Jairo, disse, várias vezes. E eu sei que ele tem um bambolê no dedo desse tamanho. Eu também tenho. Que mal há?
O problema é que o Felipe não quer nos embebedar à toa, pensei: ele quer nossa vida à mesa, de graça, límpida, frágil, pronta para um ataque sem compaixão, jogada ao desastre alheio. Além de nos querer com os peitos desavergonhados na medida em que escancaramos a boceta pra ele.
Foi quando ele aproveitou a deixa e já meio ébrio perguntou se nos masturbávamos. Caroline não conseguiu disfarçar o constrangimento e sorriu; logo ela, tão adulta. Eu e a senhorita Lins nos entreolhamos – juro que não foi combinado – e respondemos um “sim” em jato simultâneo, surpresas com a revelação uma da outra. Felipe ficou cheio de glória: sabia!, gritou, e foi pegar mais cerveja. Senhorita Lins, meu vinho chileno acabou, tenho apenas do português, serve? Ela disse: claro, tudo é do mesmo veneno, e se sentou ao meu lado me perguntando o que eu achava do ataque de pudor de Caroline.
Felipe voltou animado, queria detalhes. Sem juízo, contei como os dedos espremiam meus lábios inferiores, frenéticos no ar simulando a procura do meu sinal vermelho. Surpreendi-me quando a Senhorita Lins me corrigiu; disse que seu modo era calmo e que não precisava de pressa para encontrar o ‘frenesi’, já que ele seria o seu completo estado de paz. Mas aí eu falei que a excitação era uma febre apaixonada, um delírio do corpo, uma espécie de tremor impossível de controlá-lo. Senhorita Lins, volúvel e perspicaz, atiçou: a excitação é um coito permanente, minha cara amiga, e nada melhor do que “controlá-lo” com um parceiro, não é mesmo? Felipe se empolgara. Suado, tirou a camisa – um físico nada atraente. Sua barriga caiu por cima da encolhida virilidade e fiquei descontente. Droga, odeio desanimar. Mas a senhorita Lins estava tão risonha comigo; eu a abraçava, tão querida e cheirosa. Sua beleza era ofensiva, chegava a doer!
Então, Felipe, completamente bêbado e desconsiderando totalmente o deslocamento de Caroline, disparou: Em quem pensam quando se masturbam? Senhorita Lins engasgou; eu fui previsível, fiz-me de desentendida, um charme desnecessário nessas horas. Felipe repetiu, dessa vez, foi enfático e incisivo. Queria saber, portanto, nos enchia os copos, turvava as nossas almas. Carolina se irritou. Para ela, aquela conversa a humilhava. Uma moça frígida, coitada, vivia numa tristeza arrogante. Eu e a Senhorita Lins – juro, mais uma vez, que não combinamos – fomos respondendo aos poucos. Eu disse que pensava numa mulher de cabelos longos e sobrancelhas bem desenhadas, peito grande e pontudo. Ela disse que pensava numa mulher também (todos pasmos e compreendendo), ruiva, irreverente, de beleza formidável. Caroline, enfim, se interessou, viu a coisa se emaranhar, desistiu de ir embora. Felipe estava zonzo, mas atento, e insistiu sofregamente: Nomes! Eu quero nomes! E então soltei como um vômito, nem pensei em consequência: Penso na senhorita Lins!, e ela, me olhando com um prazeroso espanto, gaguejou o nome de quem vos fala. Eu repeti mais forte depois, com segurança, como se o desejo não fosse mais proibido. E ela, já com meio sorriso indecente, foi abrindo as pernas devagar dizendo meu nome.