Segundo romance de Julian Barnes a ser indicado ao Man Booker Prize (prêmio ao qual foi nomeado ainda uma vez antes de vencer, em 2011), Inglaterra, Inglaterra (Rocco, 2000) talvez seja um romance que sofra de uma megalomania muito semelhante à ideia que lhe dá suporte: o sonho do aristocrata Jack Pitman de transformar uma pequena ilha perdida no meio do oceano numa réplica exata da terra da Rainha.
Se, em seu projeto ficcional, Barnes compartilha com Pitman o objetivo de proporcionar um pouco de entretenimento numa espécie de parque de diversões da história britânica, porém, isso não é algo que se deixe entrever numa visita a estas páginas. Diferente de romances mais maduros como Altos voos e quedas livres (2013), em que o autor se equilibra entre a ficção e a não-ficção tensionando ao máximo seus limiares numa leitura ainda assim fluente, aqui nos arrastamos nas narrativas que encerram esta tentativa evidente de paródia do imaginário patriótico bretão.
A principal delas é a relação amorosa entre a consultora Martha Cochrane e seu assistente Paul Harrison, permeada pelos delírios do patrão de ambos, o caricato Jack Pitman, e a necessidade de colocar rédeas numa empreitada que começa a sair do controle, com atores que ou passam a acreditar demais nos papeis que lhe foram delegados ou a sair dos personagens colocando em risco toda a magia da lucrativa aventura.
São poucos os momentos em que o humor profundamente sarcástico de Barnes fica mais aparente que um ligeiro vulto encapotado na fog londrina (como na ótima passagem em que a equipe da ilha, na presença de Jack Pitman, discute como dar um apelo mais sexual ao projeto – e a suposta frigidez da cultura saxônica é trazida para a mesa devido à inexistência de um personagem histórico de apelo erótico).
A porção final do livro, uma espécie de epílogo da obra de Pitman aos olhos de Martha (que sente em sua própria ruína física a decadência de um projeto que colocou a ideia de nacionalismo de sua pátria em crise), é de longe a sua porção mais interessante – uma bela alegoria que, com três décadas de antecedência, consegue iluminar muito bem o que hoje a Inglaterra, nestes tempos obscuros de Brexit, está prestes a enfrentar.