“O Rap pelo Rap” e o cinema independente de Pedro Fávero

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Meu primeiro contato com o documentário “O Rap pelo Rap” foi em 2019, ao longo do processo exaustivo de pesquisas e escrita do meu projeto de mestrado. O filme havia sido lançado em 2014, fruto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Pedro Fávero, seu diretor. Em 2015, após passar por festivais, mostras e ser exibido na Fundação Casa, o filme, que conta com 42 entrevistados do gênero, de Sandrão do RZO à Karol Conká, chegou ao YouTube.

Ainda em fase de distribuição, e com certa ansiedade por parte do diretor para quebrar o ineditismo, o documentário “O Rap pelo Rap 2”, foi lançado em festivais de cinema em 2019. Contando com mais 27 entrevistados da cultura Hip hop e dando continuidade ao trabalho independente do diretor, o segundo trabalho traz nomes como Djonga, Tássia Reis, Mano Brown, entre outros.

Através das redes sociais, convidei Pedro Fávero (28), que hoje mora em São Paulo e toca simultaneamente sua produtora Fitaria Filmes e seu trabalho em uma produtora de publicidade, para conversarmos sobre o poder educacional do cinema, Eduardo Coutinho, processo de criação e todo o mundo que cerca a produção dos seus dois principais trabalhos no audiovisual: O Rap pelo Rap 1 e 2.

por Monyse Damasceno

“O Rap pelo Rap” é fruto de um trabalho de TCC, como surgiu a ideia?

Era o último ano da faculdade e nesse período conheci o trabalho do Eduardo Coutinho, na hora me identifiquei muito, achei incrível. Na época estava curtindo muito rap, escrevendo letras, gravando rappers na minha casa, frequentando batalhas de MCs, e continuava querendo aprender mais sobre. Foi aí que uni minha admiração pelo cinema do Coutinho com a minha paixão pelo rap.

A ideia inicial era fazer um filme com 15 minutos e apenas três entrevistados: um MC, um DJ e um produtor. Na primeira gravação com o Kamau, o DJ Erick Jay estava junto, foi tão boa, fui tão bem recepcionado, que ficou algo em mim que dizia: você consegue fazer um filme com mais entrevistados, isso vai render. Foi a partir daí que me encorajei a produzir um longa-metragem, com quase setenta entrevistados.

Quando apresentei o trabalho final para a banca avaliadora, os professores o receberam muito bem, todos deram nota 10, e me incentivaram a levar o doc para além da faculdade. Foi aí que inscrevi “O Rap pelo Rap” em festivais, mostras, mandei para canais de TV. Sempre falo isso, quanto mais o filme é exibido, mais ele existe e vai ter uma vida longa. Esse é o propósito, fazer uma arte que circule na sociedade e seja uma ferramenta de educação, conscientização e que gere debates.

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Você cursou Rádio e TV, como foi estudar audiovisual?

Música sempre me interessou, então pensava em seguir uma carreira profissional que tivesse contato próximo com a música ou com outras artes. Em 2010 dei início na Universidade Estadual Paulista (Unesp), no curso de Comunicação Social com Habilitação em Rádio e TV. Imaginava que fosse trabalhar como produtor musical, mas ao longo do curso enveredei pelo caminho da edição e direção de vídeo, e acabei me encontrando no processo de fazer o TCC. Dentro do curso, o contato com veteranos me ajudou muito, principalmente para realizar o doc, eles me emprestavam a câmera, que eu ainda não tinha, sem falar da experiência, aprendi a editar, produzir, esse contato com outros estudantes foi uma vivência muito válida.

Como o cinema e o rap chegaram na sua vida?

O primeiro contato com o rap foi ouvindo Rage Against the Machine, uma banda que mistura rock e rap. Em 2010 passei a me interessar mais pelo rap nacional, Emicida, Kamau, Sabotage, Pentagono, Racionais MCs, Criolo… lembro que nessa época explodiu os vídeos das batalhas de rima no YouTube, foi paixão à primeira vista.

Já a minha relação com o cinema, na prática, começou na faculdade. Realizamos alguns trabalhos, curta-metragens, mas o maior projeto foi realmente o meu TCC, que comecei a fazer em 2012 e concluí dois anos depois. Funcionou como um laboratório de cinema, onde realmente aprendi colocando a mão na massa. Pré-produção, produção e pós, depois que o filme está pronto o cinema continua, né? Temos que divulgar o filme em festivais, canais de TV, faculdades e universidades. Foi na prática que tive maior contato com o cinema.

Você cita Eduardo Coutinho na abertura do seu primeiro filme. Quais as suas influências quando se fala de produzir cinema?

Conheci o cinema do Coutinho no processo de pesquisa do meu TCC, assisti todos os seus filmes e foi uma identificação de primeira. Me inspirei no seu modo de filmar, priorizando a fala, a entrevista, um método de documentar que achei interessante para casar com o rap, já que os artistas desse segmento priorizam a palavra falada. O modo de gravação dele, com uma equipe reduzida, poucos equipamentos, me incentivou a produzir com o pouco que eu tinha. Além do Eduardo Coutinho, outros documentaristas brasileiros também me influenciaram, principalmente os independentes, como o Arthur Moura, Pedro Gomes, Ton Gadioli, que fizeram, com poucos recursos, bons documentários sobre o rap nacional.

O seu trabalho é totalmente independente, como é fazer cinema dessa forma no Brasil?

É um trabalho complexo, porque é trabalhar com menos orçamento e equipamentos, equipe reduzida, porém aconteceu um barateamento das tecnologias, o que torna o processo mais acessível na atualidade. Quando comecei a filmar eu não tinha câmera, um amigo tinha, me acompanhava e depois me passava os arquivos pelo HD. Hoje os celulares filmam muito bem, tendo um cuidado especial com som e luz, e tratando bem isso na edição, acredito que você consegue fazer um trabalho de qualidade, e a internet ajuda muito na divulgação.

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E o que mudou entre o primeiro e o segundo doc?

Tecnicamente, a maior mudança foi a evolução dos equipamentos usados para captação de imagem e som. No segundo filme a equipe foi mais fixa, e essa solidez de profissionais garantiu um padrão maior de imagem e som, assim como de organização do trabalho. Entre eles cito Eduardo Petrini, direção de foto e operação de câmera, Arthur Romio, captação e direção de áudio, e as produtoras Ana Carolina Paiva e Stephanie Aguiar.

Você já tem um tempo na caminhada com esse projeto, quais experiências marcantes a produção dos filmes te proporcionou?

No primeiro filme foram 42 entrevistados, o segundo 27, a cada entrevista é uma experiência única, cada rapper pensa e se expressa de uma maneira, as entrevistas aconteceram em lugares diferentes, tudo isso contribuiu para que as conversas enriquecessem a mim e ao projeto. Aprendi muito com os artistas, e entendi, em especial, que o rap não é um só e isso é muito rico. Quando o primeiro doc foi selecionado pelo In-Edit (Festival Internacional de Documentário Musical), um evento no qual já havia frequentado, e foi transmitido pela primeira vez em uma tela de cinema, marcou bastante, e o bacana é que “O Rap pelo Rap 2” também foi exibido nesse mesmo festival.

Outro momento surreal foi quando alguns amigos e amigas que fazem trabalho social na Fundação Casa (antiga FEBEM) levaram o documentário para ser exibido lá. Acredito que as pessoas que estão nesse lugar são extremamente carentes de cultura e informação, poder levar mais informação através do cinema foi incrível.

Como você descreve a estética e narrativa/linguagem do “O Rap pelo Rap”?

A estética e a narrativa de “O Rap pelo Rap” são baseadas no trabalho do Coutinho, mas também tento fazer uma mistura com outras influências, como a MTV dos anos 2000, a montagem dinâmica do videoclipe. Quando o assunto é linguagem, busco dar a maior abertura possível aos entrevistados, porque nesse tipo de filme o material mais valioso parte das falas dos convidados, para mim, o momento da entrevista é sagrado. Tento dar liberdade fazendo perguntas abertas, como se fossem tópicos, bem mais que um filme de entrevistas, se torna um filme de troca de ideias.

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O selo Fitaria Filmes, é seu? Virou negócio?

Surgiu de um jeito curioso, quando terminei meu TCC, depois de dezenas de edições, fui assisti-lo finalizado e senti falta de uma vinheta no começo. Todo filme que a gente assiste tem aquele começo que mostra as produtoras, distribuidora, e o meu já começava direto com entrevistas… aí eu pensei, vamos colocar uma produtora aqui, foi assim que inventei a Fitaria Filmes. Depois acabou virando minha produtora real, registrei o nome, e é o selo que uso para fazer meus trabalhos freelancers. A produtora está em São Paulo, e, além de documentários, videoclipes, também realiza cobertura de eventos, vídeos institucionais e publicitários, atua na produção e pós, como edição, finalização e divulgação, virou um negócio e estamos sempre produzindo

Considerando as lutas e glórias que você atravessou, o que diria para quem pensa em produzir cinema?

O que eu digo é: faça, produza, e não fique só nas ideias. Se você não tem o equipamento que considera ideal, comece com o que você tem, o conhecimento hoje em dia, boa parte dele, é gratuito, pesquise sobre como fazer uma boa luz, caso não tenha uma lente muito boa, um lugar bem iluminado já garante uma qualidade legal. Outra dica é prestar muita atenção no áudio, o som também é extremamente importante.

Se não tem uma lapela de mil reais, como era o meu caso (gravei com uma de R$20), procura estudar onde fica melhor colocar essa lapela, aprenda a monitorar o áudio para evitar ruídos. Meu maior conselho é: faça com o que você tem, mas não faça uma coisa mal feita, não deixe de produzir. O doc não é só uma peça de audiovisual para entretenimento, é uma ferramenta de educação, que nos faz evoluir como ser humano. Se acha que o seu doc não vai para festivais, etc, divulga ele na internet, usa o YouTube, se o trabalho for feito com cuidado e amor ele irá achar o seu público.

O Pedro de antes dos documentários e o Pedro de hoje, mudou muita coisa em como você vê e faz cinema?

Depois de produzir dois filme sobre rap, o Pedro de antes é uma pessoa completamente diferente do Pedro de hoje. Conheci muitas pessoas de diversos lugares através do filme, minha opinião sobre rap, música, se enriqueceu muito mais com o contato que as entrevistas me proporcionaram. Hoje me sinto seguro para dizer que sou documentarista, que faço cinema. Até eu produzir o primeiro “O Rap pelo Rap” não havia feito nada com tal dimensão, esses filmes me formaram como ser humano e profissional.

A maneira como enxergo o cinema hoje também se transformou, hoje sou capaz de entender a complexidade de uma produção cinematográfica, quantas pessoas envolve, o dinheiro investido e o quanto isso também pode mudar a vida das pessoas que o assistem. Recebo mensagens de pessoas que estão vendo o filme pela primeira vez e agradecem, falam que é um material rico, que com ele compreendem mais o rap, é uma satisfação imensa.

Imagens: Acervo pessoal Pedro Fávero.

1 comentário em ““O Rap pelo Rap” e o cinema independente de Pedro Fávero”

  1. Belo trabalho. Me vi nas palavras de Pedro. Só quem ama Audiovisual + Música para entender esse amor incondicional. Eu não mais tanto rap quanto gostaria, mesmo assim o gênero é sempre me pego ouvindo e cantando as vezes.

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