Vozes do Punk Vol. 7: Vidal Neto e as memórias que movimentam o presente.

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Bate papo com Aristides Oliveira

Saudações aos navegantes, eu sou Vidal Neto, 49 anos (ex- baixista e fundador da banda punk HC Vermenoise e editor do fanzine Brain Damage nos idos anos 80 e 90), hoje sou professor de História ,Sub Ten. do Exército, colecionador de música física, ávido ouvinte e entusiasta da cena alternativa/ underground e um cabra metido a poeta nas horas vagas.

Eu vim de uma realidade muito efervescente, quando garoto fui criado na Pensão da Mãe Nenê , na [rua] 24 de Janeiro com Lisandro Nogueira, no antigo centro de Teresina de outrora, um cenário dinâmico, a pensão tinha de universitários (os mais legais) a camelôs metidos a bons malandros, (tinha um que usava um braço que era uma prótese do cotovelo pra baixo, achava massa.

Ele tirava e botava pra eu ver, me levava pra vender as bugingangas dele na esquina do Museu, ficava lá ajudando ele, e às vezes ele sumia e eu ficava lá vendendo pra ele, achava aquilo incrível, ele me pagava e eu ficava me achando o cara!)  daí veio talvez minha veia pra gostar de música, livros, coleções etc… É uma longa História de aventuras e descobertas, já que fui criado solto, sem amarras, sou fruto de um casamento que não durou, fui criado pelos avôs dono da Pensão… Só ai daria um livro, mas vamos voltar a música…

Meu contato com o rock se deu nos anos 70. Tinha um vizinho artista plástico chamado Anfrísio, ele fazia altas pinturas em seu quarto que eu podia ver nas raras vezes que ele abria a janela. Dava pra ver os caras do Kiss em tamanho real desenhado, aquilo para um jovem era fascinante, mexeu comigo, e ele era descolado, cabelo grande e alegre, tinha uma namorada muito bela também.

Associei tudo em meu imaginário, boa música, o cara era feliz, tinha uma gata a fim dele, tudo que um garoto poderia almejar,  logo depois veio o advento do Rock in Rio [1985], aí junto com a estreia de um novo canal na TV Bandeirantes surgiu o programa do Serginho Café, o Super Special. Cara foi uma catarse, o advento de você ver a música (clips) mexeu comigo e toda a juventude da época, o visual mudou, acesso ao Rock estava consolidado.

 Em 1987 fui ao Setembro Rock, evento gigantesco que abalou os alicerces da cidade, a cena estava forte. Boas bandas. Vieram Dorsal Atlântica, Vodu, Viper , bandas de São Luis e  Megahertz, Conan com uma peruca ou couro de bode na cabeça, não conhecia a galera mais radical, mas estava lá com um amigo da escola, um evento gigante pra época, cerca de 3.500 pessoas, propaganda na TV etc…

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Dormi fora de casa pela primeira vez, na casa desse colega, em seguida comprei meus três primeiros vinis: Metal Heart (da banda Alemã Accept), Iron Maiden com Poweslave e a nacional Stress, com seu Flor Atômica, na qual tinha e música “ Não Desista”. Aquilo foi meu bálsamo, meu mantra, ou o que queiram chamar…

 Me salvou, bradava ela em voz alta, versos que me fortaleciam , diante de minha timidez e deslocamento diante com os demais, resumindo a música com sua descomunal força, me ajudou a me encontrar num mundo estranho e desmantelado, colocou as coisas no lugar e gritou em meu ouvido. Tudo é possível, vá e detone… 

Nos anos 80 para 90, agora morando na Magalhães Filho, no Aeroporto, conheci o Mário Magreza, amigo até hoje, figura emblemática e super articulado. Me apresentou a outros que também curtiam Rock e ai já viu, quando se encontra almas gêmeas já era… Veio o Chakal que é um irmão que tenho muita consideração, considero um gigante, cara super humano e inteligente, meu amigo até hoje. Nessa época com Mário, Renato Abacate, Robson Pezão e Chakal. Formamos o “ Obscenus” grupo de pichações que deu o que falar nessa época.

Pixávamos na madrugada frases impactantes em locais estratégicos e todos ficavam querendo saber quem eram os “Obscenus”. Frases tipo: “o ser humano é um escroto, peida e diz que é outro”. A gente sempre pixava em pontos de ônibus e locais que tinha grande visibilidade, aquilo mexeu com a cidade, pegava o ônibus e ouvia os passageiros comentando e sorrindo, aquilo pra gente era tudo.

O fodido do trabalhador rindo e tendo consciência de seu cotidiano… Isso era o máximo, falo isso porque junto com as descobertas musicais veio também a descoberta literária, os autores malditos, Bukowski, Cioran, Nietzsche, a revista Víbora do grande Ézio Flávio Bazzo, muitos destes apresentados pelo grande Paulo Ângelo. Ele nos brindou com muitos contatos do movimento punk mundo afora, dessas aventuras culminou com a vinda de um punk de Portugal que ficamos sem saber o que fazer e o Bernardo segurou a onda e levou pra casa dele, veio punks de São Luis, Belém.

Isso já no período da nossa banda Vermenoise, mesmo com poucos recursos fizemos muito na cena, imagine tudo isso, sem a tecnologia de hoje, mas vamos voltar um pouco e falar do tempo da escola também. No colégio Cursão veio aquela coisa de identificação como visual, cadernos com nomes de bandas, aquela rebeldia inocente, que termina agregando os curiosos e ficam os que de fato curtem o som, as ideias dessa época.

Vermenoise em ação!

Veio o Bernardo, que estava ouvindo rock nacional, aí ficamos amigos logo de cara. A amizade cresceu e ficamos colados, passávamos o dia bolando coisas, saiamos do colégio, perambulávamos pelo centro, ele almoçava muitas vezes lá em casa, aí comecei a gravar fitas K7 pra ele com todos estilos. Falava: “saca aí isso e heavy metal tradicional, vê o que acha”. Na outra semana agora vamos pra algo mais pesado e assim ia… Ele assimilou rápido.

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Depois articulamos de montar uma banda, como não sabíamos tocar nada, ficamos naquela. Eu vou pro baixo que imaginei ser mais fácil, o Kasbafy estava vendendo uma bateria, aí juntamos grana, compramos e ficou pra ele, faltava agora o vocal e guitarra, e nisso já tínhamos release, algumas letras.

A coisa era urgente, a magia do rock tem essa urgência de entusiasmo, algo que vejo na galera dessa época até hoje, sabia? Quando nos encontramos, ou trocamos ideias a magia surge… É uma sinergia bacana, nos shows então… Costumo ir anualmente a Teresina e os encontros são tão quente como o clima aí.

Bom, voltando a banda, inicialmente por indicação fomos à casa do (finado) Afrânio, um cara introspectivo, gordo e mal encarado,  visual carregado, botava medo, sabia tocar alguns acordes e logo fez alguns ensaios e saiu no primeiro release. Tocava alguns sons do Sodom pra gente, já era o suficiente, ele nem chegou a tocar até o primeiro show, era muito tímido e não engrenou no clima alegre e cheio de animação da banda. Bernardo trouxe o Ricardo Molão pra guitarra e eu o Chakal pro vocal.

Agora a banda deu amálgama boa, ensaiávamos na casa do Bernardo, que logo virou point, Chakal tava afiado como sempre e compomos boas letras, refrões grudentos e com nosso jeito extrovertido conquistamos uma boa base de admiradores e amigos. Logo gravamos uma demo caseira, fomos à Parnaíba, tocamos no Porto das Barcas, saímos em vários zines pelo Brasil a fora e alguns no exterior, matéria em jornais locais.

Ia na cara de pau nos jornais apresentar os shows e a banda. Sempre saia matérias. Saímos até na conceituada Revista Rock Brigade, mas as adversidades fizeram com que eu em 94, após passar no concurso militar sair da banda, fui, mas deixei meu baixo pra galera e acompanhava a banda torcendo, mas logo mudaram os membros e a banda acabou. De seu embrião saiu o Azinus, puta banda que merecia um tributo, assim como o Grito Absurdo, que bandas boas…

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Chakal monta depois o Obtus e estão até hoje produzindo e bradando suas dores e ódio aos quatro cantos. A banda Obtus é muito boa e seu cd “Ver ouvir, calar” pra mim é um clássico do HC mundial diria, uma das coisas que me orgulho foi de ter entregue um cd deles em mãos ao Mark Barney Greenway. Lavei a alma.

Sobre minhas considerações ao movimento, lembro da força que tinha a amizade, as articulações para que tudo desse certo, junto com as descobertas dos sons, das bandas compartilhadas gravações em fitas K7, nos encontros diários no Teatro 4 de Setembro e depois Escola Técnica.

Ali formamos uma engrenagem que funcionava pela parceria, afinidade e necessidade de estar ali, porque tinha um igual, tinha aquela sensação de fazer parte, falávamos sobre planos, íamos a teatros locar espaço, colar cartazes na rua, nos correspondíamos com bandas e outros headbangers.

Os shows eram experiências fantásticas, acredito que as dificuldades, devido a distância dos grandes centros nos deu esse espírito de desfrutar com mais amor a coisa toda, de reunir para escutar um lançamento de uma banda, juntar grana pra comprar um vinil, ir a pé a shows pra sobrar o do ingresso e da bebida etc…

Desse contexto foram tantas experiências e boas histórias que até hoje em nossos encontros elas são lembradas com entusiasmo e boas gargalhadas. Acredito também no uso dos espaços públicos, praças, quadras, teatros. O centro tinha bares alternativos, ensaios de bandas, existia uma realidade agregadora, sincronicidade, relações sociais mais acaloradas.

A gente se comunicava frente a frente, até por telefone era difícil, só tinha em casa telefone quem era rico. Nesse atual cenário facilitou o acesso a tudo e distanciou uns dos outros. Tudo é superficial, sabe-se um pouco de tudo e muito de nada… Mundo liquido como bem definiu Bauman.

Muito difícil de ser definido, muito mimimi, tudo traumatiza e é motivo pra polêmica, mas a música underground se mantém por nossa força ainda em cultivar a memória. Fizemos e estivemos aqui. Participar da experiência de cada novo show e alimentar essas oportunidades de também aproveitar essas facilidades e melhorias tecnológicas, mas talvez com uma consciência maior no desfruto pela  experiência passada, da dificuldade de outrora.

2 comentários em “Vozes do Punk Vol. 7: Vidal Neto e as memórias que movimentam o presente.”

  1. Massa olhar o relato do amigo Vidal, tive o privilégio de conviver com a turma do Verme Noise, pois sou irmão de um dos integrantes o Molão (Ricardo Briseno), não faltava um ensaio, fez parte da minha iniciação no universo undergraud, nesse contexto pude ver que com muita vontade, mesmo se tendo tão pouco, dar para se fazer muito, foi o que o Verme Noise fez, eram ativos e tinham muita atitude!

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