por Anna Apolinário
Joyce Mansour (1928- 1986) nascida em Bowden, Inglaterra, viveu parte de sua vida no Egito, partindo posteriormente para França, onde estreou como poeta de expressão francesa em 1953, com o livro Cris (Gritos), integrou-se ao movimento surrealista, tornando-se a principal poeta ligada ao Surrealismo Francês, manteve amizade próxima com André Breton e participou ativamente de reuniões e atividades do movimento.
Sua obra é extensa, dezesseis livros de poesia e cinco de prosa. Uma pequena amostra do poder de seus versos pode ser apreciado em nossa língua tupiniquim, no livro publicado pela Lumme Editor: Gritos, rasgos e rapinas: 23 poemas de Joyce Mansour, traduzidos por Eclair Antonio Almeida Filho e prefácio de Cláudio Willer. São 23 poemas extraídos de seis livros de Joyce, incluindo textos póstumos e dispersos.
Poemas estes que deixarão o leitor minimamente abismado, ao folhear o livro, uma perturbação logo toma corpo e se converte em pânico, deleite, delírio ou repulsa. A voragem de sua verve revela a ferocidade com que Joyce investe contra o imaginário cristão e patriarcal, subvertendo, transgredindo e demolindo totens religiosos e morais, através de uma imagética furiosamente surrealista e sacrílega, repleta de um erotismo visceral, cru e místico.
Como legítima bruxa, Mansour ateia fogo em seus poemas e se expõe nua, delirante e possessa, queimando à gosto, despudoradamente insana e pagã. Sua poesia é um convite ao rito, ao culto por “uma nova fé em lugares ancestrais” trazendo a figura da mulher como força criadora e aniquiladora, rainha da arena em que duelam Eros e Tânatos, amor e morte, ambos avassaladores.
Pela invocação de imagens ousadas e inquietantes, velozes como curtos-circuitos na retina do leitor, Joyce constrói sua teia de alta tensão surrealista e erótica, e assim seduz, captura e devora, levando-nos ao cerne de “vinte maremotos com suspiros de vulcão”.
Eu roubei o pássaro amarelo
Eu roubei o pássaro amarelo
Que vivia no sexo do Diabo
Ele vai me ensinar a seduzir
Homens, veados, anjos de asas duplas
Ele vai rasgar minha sede, minhas roupas, minhas ilusões
Ele vai dormir
Mas o meu sono será através dos telhados
Murmurando, gesticulando, violentamente fazendo amor
com gatos
[Déchirures, 1954]
Nua
Nua
Flutuo entre despojos com bigodes de aço
Com a ferrugem de sonhos interrompidos
Pelo suave bramido dos mares
Nua
Persigo as ondas de luz
Que correm sobre a areia semeada de crânios brancos
Muda eu planejo sobre o abismo
A densa gelatina do mar
Pesa sobre meu corpo
Monstros legendários com bocas de piano
Se refestelam na sombra dos abismos
Eu durmo nua
[Rapaces, 1960]
Poemas traduzidos por Floriano Martins