DEMETRIOS GALVÃO (PI) Historiador e poeta. Publicou os livros Cavalo de Tróia (2001), Fractais Semióticos (FUNDAC/PI, 2005), Insólito (Ed. Corsário, 2011) e o cd Um Pandemônio Léxico no Arquipélago Parabólico (2005). Com o coletivo Academia Onírica, editou a AO-Revista (2011/2012). É um dos editores da revista Acrobata.
Nos últimos anos, uma movimentação muito particular vem ganhando espaço nos meios literários de todo o país. As novidades dão conta de práticas que realizam atravessamentos que vão das “margens” ao “centro”. São articulações que superam barreiras geográficas e produzem deslocamentos nos lugares de fala, que até bem pouco tempo eram restitos a alguns privilegiados.
As editoras independentes vêm arejando o cenário literário contemporâneo com coragem e ousadia. O cenário formado pelas publicações de tais editoras está criando um mercado muito próprio, com uma demanda por livros e um público leitor atento, que acompanha de perto o que está circulando como novidade. Esse mercado começou a se encontrar em modos de atuação que dialogam com certas artimanhas do universo dos fanzines, envolvendo criatividade, a informalidade e a paixão. Assim, as editoras independentes conseguem disponibilizar livros a preços mais acessíveis, com projetos gráficos diferenciados e estabelecem uma relação mais próxima com o leitor.
Alguns editores começam a concentrar seus esforços no mercado do livro independente, valorizando a publicação de autores iniciantes, ou de autores que estavam fora de catálogo, ou até mesmo de estrangeiros pouco difundidos no Brasil. Gilles Colleu, em seu livro “Editores Independentes”, aponta que “a força dos pequenos novos editores mais interessantes está em sua inteligência do sistema e em sua capacidade de inventar combinações originais de recursos, no interior e à margem do sistema” (2007, p. 72).
Essas táticas, que habitam as margens e também costuram pelas reentrâncias do centro, vêm proporcionando a articulação de um cenário que opera fora do mercado convencional das grandes editoras, que preenchem quase todos os espaços das livrarias e alimentam o mercado com biografias de celebridades, autoajuda e best sellers. Mercado esse que movimenta milhões, define a política do livro no Brasil e comandam as Bienais e Festivais Literários.
Diferentemente das grandes editoras, as independentes trabalham com uma tiragem bem menor, que pode variar entre 100 e 500 cópias. Os livros são viabilizados financeiramente, em alguma medida, por editais de incentivo à cultura (municipais, estaduais, federais), financiamentos colaborativos, como os feitos por meio do site Catarse, ou em parceria firmada entre o autor e o editor, ou mesmo o editor bancando integralmente o livro.
As vendas acontecem através de sites e pelas redes sociais, ou diretamente com o seu público consumidor/leitor nos saraus, feiras de livros e demais eventos literários, que em parte, são criados ou apoiados por essas editoras. Vale destacar a representatividade de eventos como a Primavera dos Livros e a Balada Literária.
Bruno Azevêdo, editor da Editora Pitomba, comentando sobre seus percursos de produção e as formas de fazer seus livros circulares, afirma:
Comecei a editar por não conseguir ser editado, e fui aprendendo a fazer fazendo meus próprios livros. Só depois de uns 3 ou 4 meus, comecei a me aventurar nos alheios. (…) O processo todo ainda é muito parecido com o dos zines que fazíamos nos anos 90, tentativa e erro, recorte e colagem, roubo e roubo, desvio e distribuição direta. Hoje a internet estreita alguns caminhos, e alonga outros. Até o ano passado ainda distribuíamos em livrarias, por consignação, mas isso é cada vez mais uma roubada. Hoje a editora trabalha só com venda direta em eventos – numa barraca de camelô feita pra isso – e na loja virtual, em www.pitomba.iluria.com
Seguindo o debate, Eduardo Lacerda, editor da Patuá, aponta alguns pontos interessantes sobre o modo como encara o trabalho de editar:
Pra mim, o ato de editar, de tornar público um livro, que passa também por processos muito técnicos, por processos burocráticos e também comerciais, esse ato para mim é artístico. Então produzir e fazer o livro circular, está relacionado com cuidar de maneira artesanal de processos que são industriais. E é, principalmente, acreditar nos escritores que eu publico e fazer o possível para que eles acreditem em mim.
Tomando o que expõem os editores, vale ressaltar que os autores publicados por editoras independentes, na grande maioria, se envolvem com a edição do livro e seus desdobramentos. Trabalham junto ao editor no processo de concepção do livro, divulgação e venda, fomentando lançamentos e intensificando a difusão do trabalho. Consequentemente, essas práticas fortalecem um pacto entre a editora, o escritor e o leitor, pois essas três instâncias se aproximam, por não haver os distanciamentos frios do circuito editorial convencional – o autor em casa, o editor no escritório e o leitor procurando o livro na livraria.
As pequenas editoras contribuem para o fortalecimento da cena local, possibilitando oportunidades aos escritores, ao passo que se conecta com um circuito bem maior, pois se articula a uma teia formada por blogs, portais e revistas especializadas, que, nos dias de hoje, é encabeçado por pessoas envolvidas de forma direta ou indireta com o circuito de produção do livro independente. Lúcia Rosa esclarece sobre a relação do Coletivo Dulcinéia Catadora com os autores que são publicados pelo selo:
Convidamos alguns autores e recebemos e-mail de muitos escritores novos, com arquivos de suas produções. Achamos importante incluir escritores que ainda não tenham inserção no mercado editorial. Acima de tudo, achamos fundamental que os escritores parceiros entendam como funciona o coletivo e se envolvam com os integrantes do grupo. A feitura dos livros não é um negócio que visa lucro, e a relação com os escritores não tem, portanto, nada de comercial. Baseia-se na troca de experiências e vivências, na cumplicidade de uma postura de resistência, no trabalho conjunto, no processo.”
Com essa postura, as independentes vêm chamando a atenção com publicações belíssimas e projetos arrojados. No caso do Coletivo Dulcinéa Catadora, o trabalho da editora tem um caráter social, já que atua diretamente com cooperativas de catadores de papel e realiza oficinas de produção de livros. Os livros da editora são confeccionados de modo artesanal, utilizando o papelão na capa dos livros, pintados manualmente. A Dulcinéia pertence a uma rede de mais de trinta outras editoras espalhadas pela América Latina, que atuam com reciclagem de papelão e edição alternativa.
O cenário dessas publicações contribui para uma maior diversidade de títulos, e para o debate que envolve a bibliodiversidade, conceito esse, que é uma bandeira levantada pela Liga Brasileira de Editoras Independentes – LIBRE. Esse campo de possibilidades se firma por meio da facilidade nos meios de impressão e edição, devido à renovação tecnológica dos parques gráficos e de certa “democratização” do consumo. Esses fatores têm ajudado a esticar os horizontes da literatura nacional, proporcionando espaços que desdobram um panorama de jovens escritores e de novidades nas práticas editoriais.
As independentes têm a liberdade para explorar o laboratório inventivo e editam utilizando alternativas, sem a preocupação com o mercado consumidor genérico. Interessante que esses novos editores, na maioria das vezes, não estão visando, em primeiro plano, ao retorno financeiro, muito embora seja fundamental para continuar editando. Porém, a preocupação mais incisiva é com o resultado final do livro, com o apuro da publicação e seus detalhes. Desse modo, é relevante o que diz Eduardo Lacerda sobre os custos que envolvem a produção e consolidação de um projeto de livro da Patuá:
Sobre o processo e custos (de gráfica, mas também humanos, com ilustradores, artistas) criar livros de qualidade tem quase o mesmo custo final do que fazer um livro de qualidade inferior. Não entendo, nunca consegui entender, a opção pelo pior, se a diferença é muito pequena, quase irrisória. Portanto, tenho escolhido sempre pelo melhor, mesmo que isso aumente um pouco o custo. E isso ajuda demais na visibilidade de nossos livros”.
A preocupação com o resultado final do livro e a relação de proximidade com os autores fazem da editora Patuá uma das principais do cenário independente atual. Em 3 anos de atividade, já apresenta um catálogo que passa dos 200 títulos, sendo a maioria deles de autores estreantes. Uma marca da editora são as belas capas e projetos gráficos que, na quase totalidade dos seus livros, são do artista Leonardo Matias. Aos poucos, os livros da Patuá começam a figurar nas seções de resenhas dos principais cadernos culturais e revistas especializadas do Brasil.
Um dado a ser observado é que boa parte desses novos editores são também escritores, o que traz para as edições dos livros uma sensibilidade e um cuidado singular. Esse editor conhece bem todas as dificuldades pelas quais passa o autor pra publicar seu livro, bem como sabe da necessidade da realização de um bom acabamento para a edição. Como exemplos de editoras que arejam o cenário com livros bonitos e conteúdos de ótima qualidade, estão os títulos e autores irmanados nos seguintes catálogos: Livrinho de Papel Finíssimo, Demônio Negro, Pitomba, Patuá, Corsário, Oito e Meio, Confraria do Vento, Azougue, Edith, Edições Maloqueirista, Grua, dentre outras.
Um dado a ser observado é que boa parte desses novos editores são também escritores, o que traz para as edições dos livros uma sensibilidade e um cuidado singular. Esse editor conhece bem todas as dificuldades pelas quais passa o autor pra publicar seu livro, bem como sabe da necessidade da realização de um bom acabamento para a edição. Como exemplos de editoras que arejam o cenário com livros bonitos e conteúdos de ótima qualidade, estão os títulos e autores irmanados nos seguintes catálogos: Livrinho de Papel Finíssimo, Demônio Negro, Pitomba, Patuá, Corsário, Oito e Meio, Confraria do Vento, Azougue, Edith, Edições Maloqueirista, Grua, dentre outras.
É importante dizer que as independentes estão marcando presença nas listas de finalistas de alguns dos principais prêmios literários. No ano de 2013, o poeta Ademir Assunção venceu o Prêmio Jabuti na categoria Poesia, com o livro “A Voz do Ventríloquo” publicado pela editora Edith. Nesse ano de 2014, no prêmio Portugal Telecom, vários livros de editoras independentes figuraram na lista dos semifinalistas, principalmente nas categorias Poesia e Romance. As editoras Patuá e Confraria do Vento aparecem com 5 e 4 indicações, respectivamente, o que mostra o papel que elas vêm ocupando, não só apresentando novos nomes, mas também definindo caminhos diferenciados com relação ao trabalho do editor e seu papel no meio literário.
Para Gilles Colleu, “um editor novo é, aliás, interessante quando é diferente de todos os outros” (2007, pag. 72). Reafirmando o que diz o autor e encorpando o debate, alguns editores comentam sobre o papel das independentes para o cenário contemporâneo:
Nas pequenas editoras, surgem os projetos arriscados, sem cálculo de antemão. É o risco da palavra bruta ainda não devidamente empacotada que emerge daí. São projetos que não poderiam emergir de outros lugares, mas sim das margens inquietas, onde o mundo jamais parou de girar que emergem os livros impossíveis, os textos mais imprevisíveis, os visuais mais loucos e os formatos mais experimentais.
Rodrigo Acioli Peixoto (Ed. Livrinhos)
Acho que as pequenas editoras são as que trazem novidades para o cenário literário, porque novidade é risco, e risco o mercado hegemônico não corre.
Bruno Azevêdo (Ed. Pitomba).
O papel do coletivo é resistir, traçar caminhos paralelos ao mercado editorial, cavar oportunidades, tornar acessível o trabalho de escritores novos e buscar novas propostas literárias, textos experimentais. São essas ousadias dos escritores que têm o potencial de gerar algo novo. (…) Acredito que podemos colaborar para o mapeamento das manifestações literárias contemporâneas. A liberdade é nosso diferencial, em relação às editoras estabelecidas. O que mais nos importa é apontar, mesmo que timidamente, os caminhos tomados pela literatura contemporânea.
Lúcia Rosa (Coletivo Dulcinéia Catadora).
As editoras independentes renovam o cenário colaborando para a composição de novas paisagens literárias. Elas realizam deslocamentos e fazem emergir espaços de fala diferenciados. As práticas de atuação de editores e autores encaminham alternativas que se colocam no debate para além do que está à margem, interpretando a “margem” como o espaço que pode, por vezes, se tornar um gueto fechado. Essas alternativas se inserem em uma perspectiva de mercado, mas reivindicando a autonomia e o controle da produção, valorizando a relação que existe entre o autor, o editor e o leitor. Para finalizar parcialmente o debate, Rodrigo Acioli Peixoto arremata dizendo o que significa ser independente para a Ed. Livrinhos:
Significa aprender a fazer pactos com o diabo sem perder a alma. E, apesar de ser um caminho muitas vezes de poucas compensações financeiras, do ponto de vista criativo, artístico e estético, é altamente satisfatório. Faz valer a pena o caminhar.
Referências:
COLLEU, Gilles. Editoras independentes: da idade da razão à ofensiva?
Trad. Márcia Atália Pietroluongo. Rio de Janeiro: Libre – Liga Brasileira de Editoras, 2007.
Entrevistas:
AZEVEDO, Bruno. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Março de 2014. LACERDA, Eduardo, Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Julho de 2014. PEIXOTO, Rodrigo Acioli. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Maio de 2014. ROSA, Lúcia. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Abril de 2014.
Referências:
COLLEU, Gilles. Editoras independentes: da idade da razão à ofensiva?
Trad. Márcia Atália Pietroluongo. Rio de Janeiro: Libre – Liga Brasileira de Editoras, 2007.
Entrevistas:
AZEVEDO, Bruno. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Março de 2014.
LACERDA, Eduardo, Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Julho de 2014.
PEIXOTO, Rodrigo Acioli. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Maio de 2014.
ROSA, Lúcia. Depoimento concedido a Demetrios Galvão por e-mail. Abril de 2014.