.Entrevista com Tássia Araújo

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Tássia Araújo conversa com a Acrobata e revela sua paixão pelo cinema brasileiro. Atualmente ela representa uma geração de mulheres que protagonizam um exercício de levar o filme para os olhos que habitam várias geografias afetivas, ocupando os centros e periferias da cidade. Teresina estava carente de eventos audiovisuais de peso, Tássia chegou junto com a Parada de Cinema e nos colocou a questão: qual é o lugar do cinema brasileiro contemporâneo em nossas vidas apressadas?


Entrevista realizada por Aristides Oliveira

Você é dedicada a promover uma intensa circulação de filmes brasileiros contemporâneos em Teresina-PI, como a Parada de Cinema, que vem consolidandose na cidade. Como você compreende a noção de “contemporâneo” na linguagem audiovisual, situado no Brasil que estamos imersos?

 Quando penso em contemporâneo preciso voltar nas escolas que antecederam esse cinema produzido hoje. A começar pelo Cinema Novo, que surgiu nos anos 60 e ainda exerce forte influência na nossa linguagem atual, sendo referência tanto em estética quanto no engajamento político; e o Cinema de Retomada que foi o momento em que os investimentos para o cinema brasileiro “retomaram” em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso, após sofrer cortes no governo Collor. O cinema no Brasil sempre foi financiado pelo governo, excluindo claro, quem custeia o filme do próprio bolso. Ambos os movimentos retrataram o sertão e buscavam um retrato identitário de um Brasil. Tô achando difícil falar de um movimento enquanto ainda estamos nele, mas a palavra que define pra mim nosso cinema contemporâneo seja “diversidade”, diferente de épocas anteriores, hoje com as leis de incentivo e a digitalização, criaram uma espécie de cotas para a região Norte e Nordeste, na tentativa de descentralizar a produção audiovisual, sair do eixo Rio-SP e dando voz e visibilidade pra região norte-nordeste, e assim, outros Estados, pois Recife sempre foi uma das potências do cinema no Brasil., então os temas e as experimentações são diversos, buscando cada vez mais o autoral, acho que nunca se falou tanto em gênero, a cada semana surge filme (s) nas salas de cinemas sobre temáticas LGBTQ+ além de festivais voltados para essa temática. E vejo com grande importância essas “minorias” serem representadas por quem tem propriedade para falar sobre.

 Vou te fazer uma pergunta clichê, mas que ainda é necessária sua exposição para o público que desconhece essa realidade: como é viver mantendo o ofício de produtora cultural no Piauí?

Viver como produtora cultural e artista no Piauí é viver na resistência em diversos sentidos. Primeiro que não há uma política de editais que nos possibilite viver da nossa criação. É como se precisássemos fazer um caixa da nossa renda, que vem de outro de trabalho para investir no que realmente queremos fazer, e isso é desgastante, muitos desistem no meio do caminho, pois pra viver de arte no Brasil é necessária uma estrutura ($) que ampare e isso pode ter um valor alto. Por outro lado, é muito trabalho e estudo assim como em qualquer emprego formal, digo que nosso trabalho é até mais desgastante, já que não temos férias remuneradas, plano de saúde, carteira de trabalho, entre outros privilégios. Eu sou autônoma e tenho o privilégio de trabalhar com a minha paixão. Além realizar a Parada de Cinema, que vai para a sexta edição em 2019, hoje trabalho com fotografia e vídeo/cinema. Nos últimos dois anos fiz uma espécie de direção de imagem pra Cia Luzia Amélia de Dança, onde eu fotografei espetáculos, registrava em vídeo, e também participava da concepção de vídeos em alguns espetáculos. Atualmente eu cubro os 25 anos do balé da cidade de Teresina, onde além de fotos e vídeo, estamos preparando um curta-doc. sobre esse aniversário do Balé. Além de desenvolver projetos autorais, estou sempre buscando minha linguagem, assisto muito filme principalmente no cinema e ainda tenho um filho. <3 Ou seja, não dá pra ser um hobbie, é muita dedicação.

 Sabemos que o cinema é um ambiente em que o masculino exerce muita influência política. As mulheres estão mudando esse paradigma e rompendo muitos preconceitos. Como você vem percebendo essas transformações na sua vida?

 Aqui em Teresina se formos nas agências de publicidade que agora são as novas produtoras de filme (tendência mercadológica no Brasil), não iremos achar sequer uma diretora ou roteirista na produção, a não ser que sejam as próprias donas das agências. Isso vem mudando mundo a fora, mas no nosso estado infelizmente o machismo ainda se sobressai e não é só no cinema ou fotografia, em diversos outros segmentos isso acontece, está na nossa cultura. Pensando nesse assunto, me peguei no dado que na maioria das vezes em que sou convidada para fazer algum trabalho, esses convites vêm de outras mulheres, e nosso espaço fica na produção, figurino e maquiagem, técnica jamais. Ou criamos nosso próprio projeto para assim sermos as diretoras ou exercer a função que desejamos ou vamos esperar bastante para ocuparmos esses lugares. Arrisco dizer que ainda estamos engatinhando nesse processo de mudança, mas ele de fato está acontecendo. A tendência é que cresça o número de mulheres na direção de filmes, pois já entendemos que não da pra sermos sempre as assistentes, contando histórias de homens de sucesso ou sendo as mocinhas dos romances. Isso monstra que precisamos fortalecer mais essa rede de apoio que nós mulheres criamos para fortalecer umas às outras.

Foto: Maurício Pokemon

 Teresina já foi palco de vários eventos audiovisuais marcantes promovidos pela prefeitura, como o Festvídeo, que reunia no fim do ano uma série de produções nacionais relevantes, mas não é realizado atualmente… A cidade de Floriano sedia um Festival de Cinema com repercussão nacional (Cinema dos Sertões) e você nos proporciona a Parada de Cinema. Qual a sua avaliação sobre Teresina ser tão carente de espaços dedicados a circulação de filmes independentes?

 Não podemos deixar de mencionar os cineclubes “Olho Mágico”, que acontece na Casa da Cultura e a “Tela Sociológica” na UFPI, são espaços de resistência super importantes para a formação de público. Acredito que a falta de uma escola de cinema ou laboratórios de estudos aprofundados reverbera em vários aspectos, da produção de filmes à crítica e assim os espaços de circulação de filmes independentes e até comerciais.

Comparando cenários como Recife e Bahia, que já possuem uma “tradição” na realização e financiamento para produção cinematográfica, qual o contexto político-cultural o Piauí está atravessando?

 Eu tenho pouco tempo de experiência e vivência na cena cultural de Teresina, comecei em 2013 onde produzi junto com uma galera (Javé Montuchô, Lise Mariane, Roberto Saboia, Phillip Marinho, Anderson Costa) a SEDA – Semana do Audiovisual e depois me mantive ativa, produzindo mostras de cinema independente e buscando contexto para o audiovisual na nossa cidade. Então posso estar equivocada no que vou dizer, mas até onde sei, em relação a financiamento estamos há muito tempo atravessando esse mesmo momento no Piauí. Desconheço editais voltados para produção de cinema e o primeiro que saiu foi no final de 2017, a SECULT/PI em parceria com a ANCINE, lançaram o edital de cinema do Piauí e a verba até esse momento não foi repassada, por conta de velhos problemas estruturais e organizacionais na própria instituição. Nunca houve uma verba direcionada para os segmentos culturais na cidade/Estado, quem ainda consegue isso é a música e um pouco a dança e o teatro. Sinto que há tentativas de editais, mas o repasse de verba sempre é muito difícil e as vezes não acontece. Então essa desorganização por parte das instituições, tanto do Estado como do município prejudica grande parte dos setores da cultura. Sobre a realização de filmes houveram momentos de experimentação mais intensas. Influenciados pelo Cinema Novo, surgiu a “era” do jornal Gramma nos anos 70 formado por Paulo José da Cunha, Carlos Galvão, Durvalino Couto, Arnaldo Albuquerque e o último a entrar pro grupo, Torquato Neto e também nos anos 70, influenciados pelo cinema marginal, surgiu o grupo Mel de Abelha, formado por jovens universitários. Eram Lorena Campelo, Dácia Ibiapina, Valderi Duarte e outros. E nos anos 2000 houve a “era” ABD/PI que através das oficinas de audiovisual os alunos produziam curtas-metragens e assim iam se aproximando da linguagem cinematográfica. Hoje os coletivos ufpianos (VDC e LabCine) e também os produtores independentes, onde me encaixo, fazem um cinema autoral, engajado e de resistência. Aos poucos nossos filmes estão chegando em festivais pequenos Brasil a fora, mas ainda não conseguimos tanta visibilidade. Acho que por conta de toda precariedade que envolve nosso sistema/cenário. Mas sinto que isso mudará nos próximos anos, ainda mais se tivermos os devidos repasses do edital, cerca de 20 filmes estarão em processo de produção e circulação. Ansiosa!

 E teu filme sobre a cena gay, como está o processo de criação e pré-produção?

 O Cena Gay, cujo título é provisório, está fervilhando na minha cabeça. É um filme que eu idealizo há uns 7 anos e tenho muito carinho e cuidado. Vamos falar sobre a cena noturna LGBTQ+ de 85 a 2005, um momento de libertação e de enfrentamento de muito préconceito na sociedade de Teresina. Vamos entrevistar algumas figuras que fizeram parte dessa história e eternizá-las. Tem muita gente importante, em vários sentidos, sem o devido reconhecimento, e vamos mostrar algumas delas nesse filme. Entretanto, não temos a intenção de que esse documentário seja a salvação de uma identidade LGBT de Teresina, mas mostrar para a nova geração quem veio antes, como era aquele contexto e criar e experimentar noções do audiovisual, pois também estamos em processo de formação como cineastas, diretores e documentaristas, estamos propensos a deslizes e equívocos. Em termos gerais de produção ele está “parado”, mas estamos nos preparando para ele.

Qual filme você considera um retrato do Brasil hoje? Me fala um pouco dele.

 Eu curto tantos diretores e tantos filmes que estou com extrema dificuldade em responder essa pergunta. Eduardo Coutinho pra mim é aquele ser pra ser eternamente enaltecido, ele fez sozinho uma escola do documentário no Brasil. Seus filmes são de uma simplicidade, mas que tocam muito quem participa e quem assiste. Karin Ainouz também sempre sensível e poético, mas como preciso escolher um dentre um mar de opções, vou considerar “Boi Neon”, de Gabriel Mascaro como esse representante do cinema brasileiro contemporâneo. Amanhã pode ser que eu eleja outro, mas um filme que perpassa a noção de identidade do sertão e cria uma nova ideia, onde o cabra-macho nas horas vagas sonha em ser estilista, e aquela figura centralizadora de chapéu na cabeça e espingarda na mão, como era retratado anteriormente, me enche o coração. Não só por conta dessa desconstrução, mas por toda sutileza que o Mascaro consegue levar para essa mudança radical de uma identidade tão forte do Nordeste.

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