MAIS DO QUE NORMAL

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Estou há cerca de 30 minutos dentro do carro, parada na esquina de casa. Pensando sobre o que ele pensa quando está aqui. E daqui posso ver a luz da sala da cozinha ligada, da sala, do quarto, da área, o que significa que João está lá e que talvez ele tenha esquecido que a energia não se paga sozinha, mas isso é o de menos. 

E se eu contar para vocês que ele está lá, instalado, há mais de 13 dias? Treze dias que o garoto dá as caras por aqui, sem avisar.


Treze dias que ele lava a louça, usa meu banheiro, bagunça as colchas da cama, e outras coxas, mas também regula minha comida, dá conta da vida dos vizinhos e age como se fosse normal essa relação nossa sob o mesmo teto ou como ele deve pensar, deve ter sido coisa de Deus. Só que se foi mesmo coisa de Deus ele se esqueceu de me consultar antes e isso tem me deixado mais nervosa que o habitual.


Quando me dou conta ele abre a porta, deixa a mochila no canto da sala, me beija e fica. Deve ter tirado uma cópia da chave ou em algum ato insano eu deva ter mencionado esta tremenda bobagem e aí agora ele sempre chega do nada e também alimenta os bichos, guarda minhas sandálias, meche nos meus livros, e sai organizando minha bagunça e lá pelas oito, quando chego do trabalho, já não acho mais nada meu.

É que treze dias pra mim é mais do que o normal, sou acostumada com um travesseiro só na cama, com o barulho ensurdecedor de casa que não me faz lembrar ou sentir vontade de ter uma família.

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Treze dias de muito sexo e muita briga. Brigamos porque eu não gosto de ver as porcarias que ele vê no Youtube. Brigamos porque dei a entender que ele só curte música ruim e por ter dito que aquela banda bosta do amigo dele nunca vai fazer sucesso. Brigamos por causa da minha toalha molhada, em cima da minha cama. Por causa da gata que eu quero castrar e ele acha uma tortura, por causa do alho no arroz, porque não faço uma porcaria de faculdade e não gosto de ficar calada no ato.


Não sei qual a estratégia dele, mas isso me assusta. Treze dias é mais do que meu recorde pessoal de dividir meu teto, meu sanduíche de carne de porco e minha ricota. E na minha cerveja ele nem é louco de encostar.

Ah, sei lá, também não posso ser tão radical assim, não é? É que, pensando bem, se não fossem essas brigas eu ficaria sozinha, tomando sei lá o quê como distração e passatempo. Mesmo sendo forçada a acreditar em baboseiras, às vezes é bom ter com quem dividir as alegrias e agonias. 

Então agora eu chego mais perto, entro em casa e faço parecer que as coisas realmente importam.


Rosseane Ribeiro (Ribeiro Gonçalves, 1991). Poetisa, cronista, revisora textual e formada em Letras Português pela (UFPI). É autora de Tudo o que eu Queria te dizer, com duas edições.

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