As Ilhas Selvagens de Beth Brait Alvim

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Por Carlos André, poeta e editor.

“Sou ilha” é intitulado o primeiro poema do livro mais recente de Beth Brait Alvim, oferecendo uma excelente chave de leitura para seu trabalho literário de mais de cinquenta anos de muita poesia, de certa maneira, sintetizado aqui.

Não se engane o leitor, no entanto, que esta ilha pulsante, como segue dizendo o restante do poema, possui idilicamente apenas

“um pouco de
vento
olhos
areia
maresia”

Pois, no último verso, também de uma única palavra, fica a dica: esta ilha também possui “cataclismos”.

Assim Beth se anuncia, mesmo antes, ainda no título do livro, em (des)equilíbrio constante: “Poemas Selvagens”. Poética, mas selvagem, lírica, porém rebelde, bucólica, mas atenta aos desastres.

Não falo aqui, porém, de uma dubiedade, mas de complementariedade. Do jogo de chiaroscuro que atravessa a produção da autora todos estes anos, moldando sua obra num constante entrevero com si mesma: sempre o motor da boa poesia.

É Leminski quem fala, num conhecido vídeo no youtube, que é muito fácil ser poeta aos vinte e o difícil é continuar sendo poeta aos setenta. Ou algo assim.

Beth nos presenteia com a graça de sua maturidade e a coragem de continuar escrevendo versos num mundo saltado no abismo. Talvez porque, para a autora, fazer poesia não seja escolha, mas escola contínua, meio vital para seguir viva e reavivar os seus.

“e eu soluço de tanto regurgitar poetas e poemas
todas as madrugadas
bêbada de luz (…)”

O que move Beth é saber que “O amanhecer estilhaça o real” e, portanto, cabe a palavra reconstruí-lo com seus novos enigmas, novas formas que só lhe dão a poesia.

Tudo isto, é importante que se diga, sem ceder a modismos e sem deixar de buscar sempre por imagens novas dentro da própria pesquisa. Daí nos depararmos com versos tais como:

“tocar o dedo mínimo no farelo ouro”;

“sangro estrelas debaixo das unhas”;

“navego mergulhada em dragões jacarés”;

“durmo enroscada nas porcas enferrujadas
de um velho navio”

“planto a hora do assombro”

Etecetera

Beth segue se assombrando, ofertando lições poéticas ao dividir seus assombros conosco. Quer que não percamos nossa capacidade de nos assombrar com a caretice generalizada (presente tantas vezes também no pequenino mundo da poesia contemporânea brasileira). Quer que, como nela, “uma fauna enfurecida sapateie nos corredores do nosso cérebro”.

Piviana, Willeriana (a quem dedica um poema do livro), mas muito mais que isto: lúcida da própria poética. Transando toda a tradição moderna.

Não chegue a estes Poemas Selvagens esperando menos.

Disponha-se a viagem por esta Ilha.

14 comentários em “As Ilhas Selvagens de Beth Brait Alvim”

  1. Verto esse fio salgado que por vezes corrói as bochechas, os lábios e a ponta do nariz . Neste caso, ele corre doce, amansado e com o coração explodindo. Obrigada, meu querido e excelente editor. Obrigada Acrobata, que admiro tanto. Sigamos. Mesmo com os pés tocando o abismo.

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  2. Um olhar imenso, com propriedade, sobre o trabalho de uma poeta que permanece fincada na invenção, na criação, com profunda sensibilidade e visão grandiosa da poesia. Parabéns!

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  3. Beth Brait é assim mesmo,

    “Aventuras e utopias me sucumbem:
    aquieto minha carne viva
    e daí me afogo nas dobras do tempo.

    Não sei onde é a alma…
    sei que o sério não se sustenta.

    Arranjo meus suspiros
    no arquipélago de páginas
    das vitrines e dos loucos…
    velas de um navio cansado.

    Sou estrada, curva e paisagem.”

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  4. A Beth Brait Alvim é um continente selvagem, uma fábrica de imagens poéticas. Linda cartografia dessa poeta imensa que ela é. Admiro, tenho um carinho gigante e sou muito inspirado por ela. Leiam Beth Brait, ela é incontornável.

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  5. Bravo! de poéticas assim nossa poesia brasileira contemporânea precisa, e muito. Do amanhecer que estilhaça a realidade à invenção poética de Beth , tudo conspira para os sentidos alterados/ampliados na urgência de ser / estar no mundo.
    Parabéns, Beth Brait Alvim !

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  6. Assim é Beth Brait…

    “O desejo de todas as terras
    ser inverso avesso
    me enlaça de púrpura.
    Rumina a fome dos planetas.

    A carne lisa e farta,
    o tempo que pousa
    lambendo-me as nervuras.
    Convulsões do outro século.

    Em teu peito imaginário
    seres celestiais, sóis gelados
    música delírios e ervas.

    Meu arco-íris é o teu…
    Ínfima ilha que sangra
    alma surda que arde só.”

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  7. clareza quase dia de sol, sem retoques nas nuvens – doce e preciso. a poesia de beth é inquietante, vai ao profundo da mesma maneira que passeia por beiradas, segura de quem é.

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  8. Beth, que bom ler essa apresentação do seu livro. No cotidiano da vida e luta, sua poesia que se espalha em convivência. Me iluminam suas utopias, seus projetos, sua coragem e perspicácia. Seus versos vão surpreendo o cotidiano transgredindo a caretice. Eu tenho esquecido de ler e escrever poemas. Tua história me abre uma porta. Saudade amiga.

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