Nem manso e nem conformado, o rock se fez em Teresina

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por Demetrios Galvão

O som que rola em alto volume é música piauiense, mais especificamente o rock and roll. Na playlist existem bandas dos anos 1980/1990 e não é em plataforma de strea­ming, é em tecnologia das antigas, fitas K7, vinil e os velhos e bons programas de rádio.

Enquanto o som vai ecoando e desenhando uma paisagem de memória afetiva, o amigo-pesquisador Aristides Oliveira re­compõe um passado recente do cenário musical de Teresina ao percorrer a trajetória da banda Asseclas. Partindo da experiên­cia de ter sido um dos produtores do documentário “Asseclas à procura de identidade” (2019), juntamente com Gilson Caland e Adriano Lobão Aragão, ele resolve aprofundar suas pesquisas sobre o tema e parte para escrever um livro.

Uma vez publicado, “Outsider: Asseclas na cena rock de Teresina” faz parte de um pequeno rol de livros editados no Piauí sobre a música e o cenário cultural local. Mas, gostaria de alertar aos leitores e leitoras, que o livro toma a banda As­seclas como uma desculpa para discutir um universo que ini­cia nos anos 1980 e se estende para a década seguinte, acom­panhando a formação e a dissolução de várias bandas, assim como os dilemas da rapaziada: viver de música e fazer som autoral em Teresina, a grana apertada e a vontade de fazer arte, a falta de políticas culturais, etc.

O fato é que fazer cultura não é tarefa fácil em nenhum momento da história, salvo pequenos recortes de tempo e contexto. O exemplo do Asseclas e das demais bandas do período demonstra a insistência de uma juventude que in­corporou as experiências de dificuldades em suas músicas e performances de palco mostrando que não houve rendição.

Como bom historiador, Aristides Oliveira soube usar a seu favor alguns elementos importantes – o conhecimen­to dos bastidores culturais, as amizades que tem no meio, sua própria memória e os vários recursos metodológicos da pesquisa acadêmica (pesquisa bibliográfica, de arquivo, entrevistas, etc).

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Um dos destaques do livro está na narrativa clara e mi­nuciosa que aproxima diversas vozes em uma mesma roda de conversas, dialogando e trocando uma ideia bacana. A narra­tiva ganha vida pela memória dos envolvidos na trama, nos detalhes de bastidores que são tirados do fundo de uma gaveta e revelados, como numa jogada de cartas.

Na paralela, de forma sutil, vem o contexto com suas questões materiais e imateriais, apresentando as sensibilida­des da época: uma nova constituição, a primeira eleição do período da redemocratização, a energia dos movimentos  musicais de juventude e a crença de que se poderia viver tempos melhores – a esperança dos brasileiros estava em alta.

Mas, logo depois vem a desilusão com o presidente “bonitão e educado” que venceu as eleições. O tal Fernan­do Collor de Mello confiscou as cadernetas de poupança do povo e não demorou muito para sofrer um impeachment. Nos anos 1990, os artistas foram marginalizados dentro das políti­cas do governo federal e houve um grande desmonte na área cultural do que tinha sido construído até então. Restou, para alguns artistas, o pires na mão e, para outros, botar em prática o velho lema punk do “faça você mesmo”.

O livro segue e o som que se ouve de forma nostálgica é o disco “À procura de identidade” gravado em 1992. Na época, o Asseclas tinha na sua formação os músicos Fernando Conrado (vocal), Raudhflan Mosh (bateria), Paulo Utti (gui­tarra), Marlon Rodner (guitarra), Alan Vieira (teclado) e Cé­lio Borges (baixo).

Esses são os personagens principais de uma história que estava inédita em livro e que o Aristides topou o desafio de amplificar os relatos que circulavam apenas em pequenas rodas de amigos. Esse é um dos méritos do livro, seu caráter de inedi­tismo, o que faz dele referência obrigatória para pesquisadores, leitores e ouvintes atentos da música feita pelas bandas de cá.

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A rapaziada curtia se encontrar em barzinhos do centro da cidade, pela zona norte (Mafuá, Marquês) e nas coroas do rio Parnaíba. Nas andanças pela cidade existiam as lojas de disco, os espaços que aconteciam os shows e os vários festivais em que o Asseclas se apresentou. Esses são detalhes impor­tantes para entender de modo geral o circuito que a juventu­de alternativa frequentava.

A música e os shows que aconteciam na cidade ganha­vam uma atenção especial na impressa da época e para a sur­presa de quem vive hoje em Teresina, pasmem, nos anos 1990 existia jornalismo cultural e crítica musical nos jornais O Dia, Jornal da Manhã, Diário do Povo e O Estado.

Esse é outro ponto importante da pesquisa: nos apre­sentar alguns jornalistas e suas colunas, seus textos sobre os lançamentos e os comentários pós-shows. Surpreendente­mente, existiam pessoas antenadas nessa frente, como por exemplo Ana Kelma Gallas, Jaqueline Dourado, Osório Ju­nior e Machado Junior.

O extinto Jornal da Manhã teve, por um tempo, a em­blemática coluna Grafito, assinada por Francisco Magalhães, Geraldo Brito e Feliciano Bezerra, que contribuiu de forma imprescindível para movimentar os debates musicais e fo­mentou o exercício crítico-cultural numa cidade carente de polêmicas e provocações.

Além dos artistas e bandas, o livro dá atenção para essas pessoas que deram visibilidade aos dilemas, angústias e desafios de uma época. Ao longo das páginas, ainda encontramos falas pertinentes de figuras como Aci Campelo e Moises Chaves.

O livro é substância viva, tem bastante música, memó­rias e episódios curiosos. Convido leitores e leitoras a conhe­cer a história do Asseclas e de parte do cenário cultural de Teresina dos anos 1980/90. Salve a música feita no Piauí e a luta de seus artistas!

Fevereiro de 2021.

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