4 Poemas de Ted Joans (Estados Unidos, 1928-2003)

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Foto por Allen Ginsberg 

Tradução de Allan Vidigal

Poeta, surrealista, trompetista e pintor, que a partir da década de 1960 passou períodos de tempo viajando pela Europa e África. O seu trabalho situa-se na intersecção de várias correntes de vanguarda e alguns viram nele um precursor da oralidade do movimento da palavra falada. No entanto, ele criticou o aspecto competitivo da poesia slam. Joans é conhecido pelo seu lema: “O Jazz é a minha religião, e o Surrealismo é o meu ponto de vista”. Foi autor de mais de 30 livros de poesia, prosa e colagem. Joans também se envolveu profundamente com o surrealismo, conhecendo Joseph Cornell e, a princípio, aproximando-se de seu herói de infância Salvador Dalí, logo rompendo com ele. Em Paris, Joans foi acolhido no círculo de André Breton. Joans era um africanista erudito e viajou extensivamente por todo o continente, frequentemente a pé, ao longo de muitas décadas entre períodos na Europa e na América do Norte, optando por levar uma vida cada vez mais expatriada. Como o editor John Calder observou, “Joans se adaptou ao estilo de vida dos artistas no Harleme Greenwich Village, a Londres dos anos 1950 e 60, a Paris dos anos 60 aos anos 90, assim como as de outras cidades europeias e Timbuktu, no Mali, onde passou muitos invernos.” A partir dos anos 1960, Joans tinha uma casa em Tânger, Marrocos, e depois em Timbuktu. Enquanto parava de tocar trompete, mantinha uma sensibilidade jazzística na leitura dos seus poemas e colaborava frequentemente com músicos. Manteve correspondência com uma série de indivíduos criativos, entre eles Langston Hughes, Michel Leiris, Aimé Césaire, Robert Creeley, Jayne Cortez, Stokely Carmichael, Ishmael Reed e Paul Bowles, Franklin e Penelope Rosemont; muitas dessas cartas estão coletadas na Biblioteca Bancroft da Universidade da Califórnia em Berkeley. A Universidade de Delaware abriga sua correspondência com Charles Henri Ford. Joans também foi um correspondente/participante próximo do Chicago Surrealist Group.


LESTER YOUNG

Às vezes era frio como uma chama
               eterna e azul no velho convento
               de Kansas City
Às vezes sentia-se feliz até pensar
               no lugar onde nasceu e nas colinas
               tingidas de sangue e árvores cheias de corvos
Passava a maior parte do tempo soprando
               seu sax tenor nos tons mais cool,
               gritando às vezes só para nos lembrar
               de um certo ponto de suas histórias de banzo
Era nosso presidente, além de ministro
               do Jazz que revolvia a alma, sabia o que
               soprava e sabia o dever do presidente,
               pranto, pranto, pranto. Eram muitos
               seus seguidores e a maioria deles era
               clara – mas nunca falavam com tanta eloquência
               em tom tão exorbitante e funky.
O presidente morreu, e sabia que ia morrer
               mas a morte só o guardou com
               Bird, Art Tatum e outros pranteadores do céu.
Anjos do Jazz — não morrem — só vivem
e vivem — em hipsters como você e eu


A BATIDA DO SAX

Serpente de metal retorcido / santa trompa de chaves como
canecos de cerveja / cauda fálica, por que a inventaram
antes que nascesse Coleman Hawkins?
Tripa curva de melodias / jaz como se enforcada / Na forma
doa inicial de jazz/ muda como palheta quando
Coleman Hawkins a acarinhou /beijou de sons Negros
terão os Belgas vampiros do Congo desaprovado?
O fone tenor/alto/baixo/barítono/soprano/pranto/choro &
grito! sexo-fone / fala-sem-papas-
na-língua-fone ! Como terá tremido Adolphe
Saxe quando Bean sacou suar arma?
Mina de ouro de milhões de sons-maravilhas /notas
negras de mil sombras /cano oco e vazio da
apresentação pobre como o branco /chaves calculadas que
nuca abrem as portas da alma /máquina criada pelo branco salva
da nulidade por Coleman Hawkins!
Redenção saxofõnica /canga moderna no
pescoço dos jazzistas lá posta por Coleman Hawkins
mago de corpo e alma toda cujo espírito vive eternamente
em qualquer saxofone AGORA e em todos os son-o-fones do
porvir


A VERDADE

Se acaso vir
alguém
descendo a rua lotada
falando alto
sozinho
não corra
para o lado oposto
corra para o lado dele
que é POETA!
Ninguém tem NADA a temer
do poeta
só a VERDADE


ANÁTEMA DA EREÇÃO

A lei de Gdansk proíbe
deitar o pênis
sobre o ombro
de homem casado
ou mulher casada
no mês de março
nos vagões lotados
A Saliência Dá Sofrência
e Abala a Paciência da Vítima

Em Adelaide, no transporte público
mas não em táxis ou limusines de aluguel
homens com mais de 18 podem
brincar legalmente com seu pau
SE a mão estiver no bolso
e nele não houver furo MAS
isso não se estende ao bolso
de trás, ali é proibido
A Saliência Dá Sofrência
e Abala a Paciência dos Passantes

Em Indianapolis se mulher ou garota
de 12 anos ou mais for flagrada
desenhando em espaço público
imagem de garoto ou homem de
pênis ereto seja o desenho em qualquer
estilo, seja Egito antigo, Grécia ou Roma
clássicas ou até ao modo moderno
como Mondrian ou Jackson Pollack
poderá ser processada com toda
a severidade do Direito de Indianapolis porque
A Saliência Dá Sofrência
e Abala a Paciência do público

Á região Pública da Masculinidade
Nada tem a ver com a obscenidade
Institucional e ainda assim o anátema
da ereção prevalece mas jamais haverá
o degelo da ereção peniana de tal modo que
permanece muito acima da lei institucional.


ALLAN VIDIGAL (Brasil, 1971). Poeta, editor e tradutor. Possui mais de 20 livros de história empresarial publicados, incluindo algumas das maiores corporações do Brasil. Parou de contar livros traduzidos depois de chegar a cem em temas diversos que vão das Artes à Zoologia, passando pela Ciência da Computação, Design, Economia e assim por diante. Tem traduzido com frequência para a Agulha Revista de Cultura e projetos isolados de Floriano Martins.

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