5 Poema de Tom Waits (Estados Unidos, 1949)

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Poemas traduzidos por Graco Braz Peixoto*.

Tom Waits (Estados Unidos, 1949). Músico, instrumentista, compositor, poeta, cantor e ator. Sua voz grossa e rouca e suas letras por vezes esquisitas e intrigantes marcam a personalidade de sua música. Ativo por mais de quatro décadas, Waits possui uma considerável obra, constituída de quase 30 álbuns e mais de 50 participações diretas (como ator) e indiretas (compondo trilhas sonoras) em filmes. Já foi indicado a um grande número de prêmios musicais, tendo ganho o Grammy Awards por dois álbuns: Mule Variations e Bone Machine.

Obra consultada: Orphans: Brawlers, Bawlers and Bastards (2006).


PRIMEIRO BEIJO

Ela dirigia um grande e velho Lincoln
Com portas suicidas
E uma máquina de costurar na traseira
E uma lâmpada que parecia
Um ovo de jacaré
Estava montada na frente do capô

E ela tinha um gorro da Páscoa que tinha sido assinado
Por Tennessee Ernie Ford
E ela sempre tinha visto poeira em seu cabelo
E ela cortou dois buracos nas costas de seu vestido
E ela tinha essas asas escapulares
Que eram cobertas com penas e fita elétrica
E quando ela ficava legal e bêbada
Ela cantava sobre Elkheart, Indiana
Onde o vento é forte
E o povo fica na sua

E ela tinha pelo menos cem bolas de baseball
Que havia tomado das crianças
E ela colecionava todo tipo de ossos
E morava num trailer embaixo da ponte
E ela fazia seu próprio whiskey e dava cigarros às crianças
E ela tinha sido golpeada por relâmpagos sete ou oito vezes
E odiava ouvir falar de trem

E ela inventou sua própria linguagem
E usava botas de borracha
E ela podia consertar qualquer coisa com cordões
E seus lábios eram como cerejas
E ela era mais forte do que qualquer cara
E cheirava a gasolina e chiado de cerveja caseira
E ela colocou lama numa ferroada de abelha
Que eu levei lá no riacho
E ela me deu
Meu primeiro beijo
E ela me deu
Meu primeiro beijo

Estou falando de minha pequena Kathleen
E ela é apenas uma coisinha nova e preciosa
Algum dia ela vai usar meu anel
Minha pequena Kathleen


EXÉRCITO DE FORMIGAS

Os besouros carrapetas são cautelosos e rápidos
Com um órgão para detectar as ondulações
As traças de aracnídeos colocam seus ovos ali dentro
Outros insetos ao longo das fronteiras ou estradas
Em cachos de casulos brancos
A broca do pinheiro acanelado é um besouro de chifres compridos
Suas antenas têm a metade do tamanho de seus corpos
E eles se alimentam de pinho vermelho morto
O ladrão voa com suas cabeças imóveis
Injeta um líquido paralisante em sua presa
Que abocanha da vida em pleno ar
O modo de locomoção da pulga da neve
Estranho e esquisito
Com um mecanismo de cauda espinhosa com ganchos
E um tubo alongado desde o abdômen
Para permitir a absorção da umidade

O louva-deus fêmea devora o macho
Enquanto se acasalam
Algumas vezes o macho continua copulando
Mesmo depois que a fêmea tenha mordido sua cabeça
E parte de seu tronco superior
Toda noite vespas mordem dentro do caule da planta
Fecham suas mandíbulas em posição
Esticam no ângulo certo com o caule e
Com as pernas penduradas adormecem

Se alguém colocar um mínimo de licor
Em um escorpião
Ele ficará louco imediatamente e
Se ferroará mortalmente
O besouro bombardeiro
quando perturbado
se defende emitindo uma série de explosões
Às vezes lançando quatro ou cinco sucessivas
os barulhos soam como explosões de miniaturas de pistola
e são acompanhados por uma nuvem de
fluido de cheiro desprezível de cor avermelhada
é comum saber que as formigas mantêm escravos
certas espécies
as chamadas formigas sanguinárias
em particular
atacarão os ninhos de outras tribos
e matarão a rainha e depois sequestrarão muitas operárias
as operárias serão levadas de volta ao ninho do captor
onde serão forçadas a desempenhar tarefas domésticas

como discutimos no último semestre
o exército de formigas não deixará nada além de ossos
talvez você tenha encontrado alguns desses insetos
em suas comunidades
exibindo suas características predatórias e de defesa
enquanto embutidos nas paredes da carne
e passando pelo que é mais comumente reconhecido
como humano


O PONTIAC

Bem, vejamos
Uau! Nós tivemos o Fairlane
daí os eixos cardan sumiram
e os mancais
então sua mãe quis
trocá-lo por um Toronado
então pegamos o Toronado
Deus! Odiei a cor daquele filho da puta
o cachorro detonou o estofamento
no Ford
Cara, aquilo foi muito tempo antes de você nascer
nós o chamávamos de passarinho amarelo
duas portas, bagageiro, bem faceiro
mamãezinha apertada
chutou a biela
vendeu para o Jacobs
por cem dólares

Uau! Agora especial
grade frontal com quarto entradas
você jamais viu um painel
tão alinhado como aquele
câmera no topo
duplo exaustor
sabia que eu tive
deixe-me ver, eu tive
quatro Buicks
adorava todos eles

Agora o seu tio Emmet
bem, ele dirige um Thunderbird
já foi da sua tia Evelyn
mmm, ela acabou com ele
foi para Indiana
sem óleo no motor
aquilo foi o fim
vendeu aquele Cadillac pra sua mãe
sua mãe se amarrava naquele Caddy
suspensão traseira independente
carroceria top
bons pneus
tanque econômico
juro que tinha o poder
de reparar a si mesmo

Eu adorava os Olds
Dan Steele costumava me dar um desconto
modelos do showroom e tudo mais
e aí lá estava o Pontiac e
Deus, eu amava aquele Pontiac
bem, era um tipo vermelho-escuro
mas eu o manejava maravilhosamente
Sim, eu tenho saudades daquele carro
mas isso já foi há muito tempo
muito tempo atrás.


HISTÓRIA DE CRIANÇA

Era uma vez uma criança
sem um pai e sem uma mãe
e tudo estava morto
e não havia mais ninguém no mundo todo
tudo morto

e a criança saiu a procurar noite e dia
e como não havia ninguém na Terra
ela quis subir aos céus
e a Lua olhava pra ela tão amigável
e quando finalmente chegou até ela
a Lua era um pedaço de madeira podre

então ele foi para o Sol
e quando lá chegou
o Sol era um girassol definhado
e quando chegou às estrelas
elas eram pequenas moscas douradas
presas lá feito abotoadura
pregadas no abrunheiro

E quando ele quis voltar à Terra
a Terra era um urinol virado
e ele estava sozinho
ele se sentou e chorou
e ainda hoje está lá
completamente só

ok, aí está a sua história
boa noite


NIRVANA

Sem muita chance, completamente largado sem propósito
Ele era um jovem dirigindo um ônibus pela Carolina do Norte a caminho de algum lugar
e começou a nevar

e o ônibus parou em um pequeno café nas colinas
e os passageiros entraram
e ele sentou no balcão com os outros
e ele fez seu pedido, a comida chegou
e a refeição foi particularmente boa
e o café

A garçonete era diferente das mulheres que conhecia
ela não era afetada e trazia esse humor bem pessoal
e o cozinheiro disse coisas malucas
e o lavador de louças lá atrás deu uma sonora gargalhada

e o jovem viu a neve através da janela
e ele queria ficar nesse café para sempre
e um sentimento curioso passou por ele, de que tudo ali estava
e sempre ficaria lindo lá

e então o motorista disse aos passageiros que era hora de embarcar
e o jovem pensou “Eu vou ficar por aqui”
Vou simplesmente ficar
e então ele se levantou e seguiu os outros para dentro do ônibus
ele chegou ao seu assento e olhou para o café pela janela
e então o ônibus se moveu numa curva para baixo em direção às colinas

e o jovem olhou para a frente
e ele ouviu os outros passageiros falar de outras coisas
ou estavam lendo ou tentando dormir
e eles não tinham notado a magia
e o jovem virou a cabeça para um lado
fechou os olhos e fingiu dormir

não havia mais nada a fazer
apenas ouvir o som do motor
e o som dos pneus
na neve


GRACO BRAZ PEIXOTO (1955). Compositor e intérprete, tem um currículo no mínimo curioso. Possui mais de oitenta gravações de suas músicas por cantores e autores de expressão no cenário da MPB, além de gravações nos EUA e Europa por artistas brasileiros. No entanto, somente em 2000 gravou seu primeiro e único disco, Kizumba-Mass, uma produção dele próprio para o selo Atração Fonográfica. Entre os parceiros mais conhecidos e/ou cantores gravados estão: Belchior, Fagner, Ednardo, Fausto Nilo, Zeca Baleiro, Chico César, Joanna, Oswaldinho do Acordeon, Nubia Lafayette, Altemar Dutra, Cláudia Barroso, Maria Alcina e Anastácia. Um destaque acima de qualquer suspeita é a canção “Noturno” (escrita em parceria com seu irmão, Caio Sílvio), cuja gravação original, pelo Fagner, foi tema central – inclusive lhe dando título – da telenovela Coração Alado, de Janet Clair, para a TV Globo em 1980. Outro bom destaque é a parceria com Daniel Taubkin que rendeu boa parte do disco A Picture of Your Life, do próprio Daniel Taubkin, produzido por Roy Cicala para o selo Blue Jackel, Estados Unidos, 2002.

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