Jeovânia P. é poeta, escritora, professora, mestre em Filosofia. Livros individuais publicados: “Palavras Poéticas”; “Poeticamente Entre Versos & Bocas”; “A-M-O-R”; “Quem abriu a boca da pedra”; “Re[s][x]istência” e “Na estrada da poesia”. Coletâneas que organizou: “O Livro das Marias”; “O Livro das Marias II”; “Escrituras Negras_ A Mulher que Reluz em Mim”; e “Escrituras Negras II_ As Marcas”; “Sinergia”; e atualmente está organizando “O Livro das Marias III_ Uma força sublime”
CENA POÉTICA
As crianças que correm atrás da bola
Que esquecem que estão na beira da estrada
Nada questionam
Vivem uma liberdade de ser
Com pés descalços
Roupas sujas
Rasgadas
E mesmo assim
Sorriso nos rostos
Há nesses pequeninos um segredo tão profundo
Que um dia a poesia ficou boquiaberta
Olhando pra eles
Vendo uma essência poética tão sublime
Que faltaram palavras para o poema
E a poesia registrou a cena só pelo olhar
Pelo globo do olho de quem vai lá dentro
E arranca o perfume do momento
CAFÉ COM NEGRA
Quem quer café
Com negra nua e molhada?
Com desejo quente
Apertando os lábios
Provando de leve o líquido
Saboreando delicadamente
Quem quer?
MULHER DE VIDA FÁCIL
A vida
Meu amigo
Não é fácil pra ninguém
Muito menos pra mim
Mulher preta
Pobre
Vendendo o corpo
Pra poder pôr o pão na mesa
Pra comprar os cadernos e canetas
Pra que meus pequenos tenham vidas melhores
Ainda vem você achando que tenho vida fácil?!
Que vida é fácil
Meu amigo?
Aqui de baixo
Nós lambemos as botas dos senhores burgueses
Que nos chutam a cara
E de quando em quando cansados de nós tratarem tão docilmente
Nos matam
Nos queimam
Pegam a gente em bando
Fazem o que querem
Matam nossos filhos
E nem dinheiro pra cavar a cova nos resta
Aí vem você dizer que sou mulher de vida fácil
Ou fácil é outra coisa
Ou nada você sabe daquilo que diz
FALSA IGUALDADE
Aqueles que pensam que o vírus é igualitário
Se enganam
Ele tem endereço certo para levar a morte
Os corpos estendidos na frente dos hospitais lotados
Sabem bem que eles são alvos de extermínio
Quem nada tem para comer
Com o corpo fraco
Com baixa imunidade
Sabe o quanto lhe cabe e é para si essa morte
Que ronda as cidades
São os pobres
São os pretos
Que ficam lançados no vazio do descaso
Que nem contabilizados são
Apenas restam mais um e um… corpo no chão
Excelentes poemas!❤
Palavras desenham imagens, pintam seus sons e cheiros com a aspereza ou a maciez da subjetividade de quem as usa. Assim, a realidade vai sendo tecida artisticamente, criando as linguagens da literatura. Os poemas de Jeovânia P. têm grande força expressiva, resultado do uso de recursos, como a sinestesia, a narrativa de folhetim, o humor (Café com Negra) e o pavor (Falsa Igualdade). Em todos eles estão presentes o testemunho de situações de opressão social que são o triste retrato do nosso país. Esse testemunho assume muitas vezes um tom de denúncia e provocação. Mas há também em todos eles o mergulho que “arranca o perfume do momento” (Cena Poética). Este verso revela um aspecto significativo da poesia de Jeovânia: sua capacidade de se expressar como um bisturi, que abre delicadamente as feridas, para que tenhamos noção da profundidade do corte no coração pulsante da vida.