4 Poemas de Lua Lacerda

| |

Lua Lacerda nasceu em Cajazeiras (PB) e mora em João Pessoa (PB), onde faz graduação em Jornalismo pela UFPB. Seu primeiro livro de poesia “redemunho”, acaba de ser publicado pela Editora UFPB.


velhos trópicos de ceci

todas las canciones de amor
entre duas pessoas são pequenas
nelas não cabem o sonho
não cabe a floresta
amazônica

me apaixonei
por um homem e o escrevi
una cancion de amor
depois, me apaixonei
por sua esposa
e os cômodos da casa
aumentaram as melodias
                então era isso, pensei, a dança
                rio purus, xingu e iça

quando chegamos na fronteira
era escampado e acampamos
onde os rios se encontram
na torrente de peri
mi lengua bailando
na tua boca, tua língua
en la patria de mi cuerpo

de nossos beijos diluvianos
jorra uma nova canção
sin banderas ni miedos
nacionales

somos todos esposas todas maridos
rio tapajós, rio japurá


acidental

o amor endureceu
com a jornada de trabalho
e você também
o amor retorna furioso
come furioso, dorme furioso
repete sempre o mesmo
movimento

o amor se espreme para caber
nos intervalos da construção
de um enorme prédio e sofre
com fortes dores musculares
aos 30 anos
dão ao amor pesados fardos
confinam-no em 2m² para então
pintá-lo com nádegas e sorrisos gigantes
torcendo para que ele jamais se enfureça

sim, eu acredito no seu amor
acredito que está ferido como
as suas mãos embrutecidas
não é sua culpa
não deixe que te convençam
que sua mente corpo coração
são fracos
tenha piedade de si por ser
apenas um corpo no mundo
claro que isso significa provocar
tragédias em nome do amor
quando a violência é tudo
que conheceu na vida

não espere por milagres
se você está cansado
o amor também está
se não dorme direito
o amor tem olheiras
se sofre de gastrite
o amor tem úlceras
e alguém com úlcera
não tem muito tempo

por isso não vá achando
que o amor te salvará
quando tudo o mais
está perdido
o amor não acontece
isolado da vida
vê essas feridas?
o amor é o sangue
que escorre


o que é poesia?

uma moça de cabelos escuros
lendo romeu e julieta no pau de arara
com uma sacola cheia de romãs pendurada
e lábios rachados de sangue
se perguntando incisivamente
o que é poesia

a lavadeira à beira do açude
cantando elvis presley
suas mãos feridas dos zíperes das calças
fica imaginando o que diz
a canção

os agricultores na roça
escutando nina simone
no radiozinho a pilhas
com grandes chapéus de palha
cobrindo seus rostos do sol
discutem entre si
a estrutura de um poema

uma filha ensinando
letras e sílabas
à sua mãe analfabeta
no ensejo de lhe mostrar
versos que a escreveu

as freiras reunidas na capela
lendo em voz alta
os contos da valéria rezende
suspeitam gravemente
do que se trata

uma faxineira surda
em um dia de sábado
vê o reflexo do seu rosto
na xícara de vidro
e tem a certeza


matilha

gosto quando sai
da toca, loba
serena sedenta
salivando mistérios
da noite
para encontrar
tua alcateia
em bando dilaceras
cabeças de caçadores
à espreita da pele
e quando retornas
vens ainda mais forte
comer minha matéria

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!