Coletiva Papel Mulher

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Por Alexandra Maia, Jessyka Ribeiro e Julyana Mattos

A Papel Mulher é uma coletiva feminista que tem como objetivo divulgar a escrita de mulheres através da intervenção urbana feitas com colagem de lambe-lambe. A coletiva foi idealizada em janeiro de 2021 pela cearense Alexandra Maia, que cansada de ver a poesia restrita ao mundo acadêmico e formal, pensou que os lambes seriam uma forma de colocar a poesia na rua, na vida das pessoas que passam sabe-se lá para onde. A partir do abraço da ideia pela paraibana Jessyka Ribeiro e a carioca Julyana Mattos a coletiva se tornou real e foi fundada em fevereiro de 2021. Em menos de dois meses atingiu cerca de 40 mulheres espalhadas por todo o país. Somos hoje também Anas, Alines, Alices, Amandas, Brunas, Izabelas, Júlias, Camilas, Gabrielas, Cecílias, Nays, Marias, Letícias, Kellys, Luizas, Lorenas, Wilmas, Lucilenes, Iamins, Vanessas, Flávias. Somos muitas e queremos ser mais.

A coletiva nasce da ideia de que existe uma disputa de narrativa, ou seja, de que uma sociedade machista, classista, racista e homolesbotransfóbica, seleciona certos discursos que serão visibilizados e outros discursos que serão invisibilizados. O que nos leva a pensar que só é permitido existir e escrever para um tipo de corpo específico. Muitas experiências reforçam essa ideia que nos leva acreditar que existem mais homens escrevendo do que mulheres.

Em pesquisa realizada pela professora Regina Dalcastagè chegou-se ao resultado que dos romances publicados no Brasil entre os anos 1990 à 2004, 72.7% dos autores eram homens e 93,9% (homens e mulheres) dos escritores publicados eram brancos, portanto, queremos mudar esse cenário. As escolas, as universidades, as livrarias e o mercado editorial contribuem muito com o estereótipo e com a concepção do que é ser uma pessoa que escreve e se afirma como tal. O que nos leva a criar uma imagem da pessoa que escreve é um homem cis, branco, de classe média alta, com mais de 40 anos. Existimos para romper com essa lógica patriarcal, branca e heteronormativa para mostrar que existe hoje, existia em 1800 e continuará existindo.

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Essa imagem criada de como deveria ser “o escritor” faz com que não reconheçamos, por exemplo, uma amiga nossa que escreve há anos como escritora ou que não reconhecemos nós mesmas como escritoras. Parece só que a gente não parece com o que devia parecer quando se é um escritor, sabe? A nossa coletiva quer dizer que não é bem assim, vem dizer que essa imagem que temos do que é poesia e de quem são os reais escritores tem que deixar de existir. Existem mulheres escrevendo sobre amor, assédio, trabalho, política, raça, sexualidade, existem muitos escritos a conhecer. Acreditamos que lendo que essas mulheres escreveram podemos quebrar o silêncio que o patriarcado por anos nos impôs.

A Rua e o Lambe

Escolhemos a intervenção nas ruas através do lambe-lambe por querer tornar a literatura mais acessível, ao rés-do-chão, ao alcance do olho de quem procura, passa e faz parte da rua. Entendemos a Literatura como direito de todes, apesar do que querem nos fazer acreditar, essa arte não é só destinada a uma parcela da sociedade com acesso ao dinheiro. Literatura não é coisa desvinculada da vida vivida. Acreditamos na literatura como um meio de transformação de subjetividades e, quem sabe, de transformação de sociedade. Acreditamos que os escritos de mulheres podem ajudar na construção de um mundo melhor ou que possam melhorar o dia de uma mulher que passou por um de nossos lambes e se sentiu acolhida pelas palavras escritas.

Para isso, uma parte das mulheres que compõem a coletiva faz a curadoria dos textos poéticos – entendendo a poesia como um conceito amplo que pode estar presente em romances, em contos, em músicas, em textos teóricos. Com os trechos que mais chamam atenção do olhar, fazemos a arte do lambes.

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O processo de escolher quem está por trás desses escritos se dá de maneiras variadas. Buscamos divulgar os textos escritos pelas mulheres que fazem parte da Papel Mulher, fazemos um resgate histórico selecionando escritoras que tiverem visibilidade a sua época ou aquelas que não tiverem e também achamos importante  fortalecer o movimento  da escrita contemporânea, logo, a escolha das escritoras irem para a nossa curadoria busca sempre dialogar com o papel da coletiva de renovar a imagem do que é ser escritor, divulgamos, portanto, escrita de mulheres indígenas, lgbtqia+, negras, periféricas, pessoas com deficiência, quilombolas, ribeirinhas que escrevem hoje ou escreveram no passado e que estejam em todas as regiões do Brasil.

 Lambendo o Corpo das Cidades

Pensamos e incentivamos que as ações precisam ser descentralizadas e autônomas. O que seria isso? A descentralização é para pensar e abarcar a pluralidade do que é ser mulher e em especial a pluralidade de escrita de mulheres pertencentes a realidades diversas. A descentralização também é pensada no sentido de que a divulgação da escrita de mulheres esteja presente em todas as ruas, bairros nobres e periféricos, cidades, estados e regiões do Brasil.

Já rolaram ações em São Paulo, no Paraná, no Rio de Janeiro e na Paraíba. Em breve haverá ações em Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Ceará, Mato Grosso e no Rio Grande do Norte. A ideia é possibilitar que as ações de colagem do lambes aconteçam no maior número de cidades e de forma autônoma.

Colamos lambes, já colamos adesivos, já distribuímos panfletos, estamos o tempo todo pensando como adicionar poesia à vida das pessoas. A nossa ideia é ter mais braços e ir para outras cidades, para assim espalhar a escrita de mulheres.

Para que as ações aconteçam de maneira emancipada, reunimos pastas na internet com o acesso irrestrito ao nosso acervo de lambes e a curadoria dos escritos. Assim a mulher que desejar lamber as ruas da cidade com poesia pode baixar os lambes, dá uma olhada no manual que disponibilizamos que explica detalhadamente como fazer as colagens, como imprimir, escolher o melhor lugar para colar e sair pelas ruas colando pelos máximos de esquinas possível.

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Passando o Chapéu

A coletiva não possui fins lucrativos, todo dinheiro que entra se transforma em palavra de mulher. Elaboramos algumas formas de conseguir financiar as ações através de rifas com as artes das mulheres que fazem parte da coletiva, vendas de ecobags estampadas com palavras de mulher e abrimos nosso PIX, como quem passa o chapéu. Dito isso, se gostou da iniciativa e quer ver cada vez mais as ruas sendo lambidas com poesia, nosso pix é [email protected].

Se interessou pela coletiva? Acompanhe  o trabalho realizado por essas mulheres através do instagram @papel.mulher.


Alexandra Maia é uma mulher lésbica cearense que escreve sempre que a mão pede. É mestranda em literatura pela UFF. Possui graduação em Letras pela UFLA, e especialização em Literaturas Portuguesa e Africanas na UFRJ.
Possui contos publicados pela editora selo off flip, pela editora Gosto Duvidoso e pela editora Filipa. É idealizadora e criadora da coletiva feminista papel.mulher. Para achar no instagram @alexandramariasemr

Jessyka Ribeiro é co-criadora da coletiva Papel Mulher. É paraibana. Atualmente é Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UERJ onde desenvolve uma análise da Divisão Sexual do Trabalho com a população Travesti e Transexual no Brasil. É Assistente Social na ONG Casinha Acolhida no Rio de Janeiro-RJ. Escreve desde a infância e sempre teve um livro como um bom amigo.

Julyana Mattos é co-criadora da coletiva Papel Mulher e cuida da curadoria dos escritos que viram lambes. É carioca, de São João de Meriti, Baixada Fluminense, estudante de Letras e Literaturas pela UFRJ, revisora, professora e escreve sobre tudo que transborda. Tem textos publicados em algumas plataformas digitais, recentemente teve um de seus textos publicado na antologia da Filipa Edições, projeto editorial de publicação de literatura lbtqi+. Para achar no instagram @jujujuca.

4 comentários em “Coletiva Papel Mulher”

  1. Sensacional, amo às poesias, a arte é encantadora, sempre fotógrafo e envio p amigos q não conhece essa extraordinária iniciativa. Parabéns! Continue com o lambendo o corpo das cidades e tb é um meio de politizar p as pessoas ter mais consciência q esse sistema q estamos vivendo. Viva às mulheres!!!!👍🙌🍀💝💗

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