Carla Visi e os diálogos entre música, política e ecologia

| |

por Aristides Oliveira

Desde muito jovem escuto a voz de Carla Visi, principalmente por influência das rádios, que conquistou minha simpatia e carinho pelo Axé e MPB dos anos 90 até hoje.

É com alegria que compartilho meu bate papo com esta artista, presença cativa nos sets que monto para deixar os dias leves.

Conversamos sobre os impactos da COVID, sua relação com os estudos em ecologia, política e claro: música!

Atualmente, Carla Visi segue firme na carreira musical, é jornalista, gestora ambiental e mestranda em Ecologia Humana.

Uma conversa super bem vinda para dar brilho a 2021 cheio de esperança que inicia!

***

Que prazer falar contigo! Gostaria de saber inicialmente como tem vivido esses momentos pandêmicos de isolamento social. O que anda fazendo nessa fase de reclusão?

Acredito que esse momento não tem sido fácil para ninguém, principalmente para os profissionais que tiveram as suas atividades proibidas. Sinto falta do abraço, dos palcos, da celebração da música, mas entendo a necessidade de nos reservarmos o tempo que for preciso para alcançarmos uma situação mais controlada da transmissão do vírus Sars-Cov-2.

Apesar de um certo desconforto diante da imprevisibilidade, dediquei maior tempo à pesquisa e escrita da dissertação do mestrado e aproveitei o boom das aulas a distância para retomar contatos no Brasil e fazer diversos cursos e palestras, tanto na área ambiental quanto no universo da música, a exemplo do FIMUCA online que foi maravilhoso. No momento estou fazendo o 18º Música e Negócios, coordenado por Leo Feijó na Puc-Rio.

Muitos fãs ainda associam sua imagem ao Cheiro de Amor. É comum artistas lançarem novos trabalhos, mas o público pede para tocar os “clássicos” que foram de uma determinada fase da carreira. Como você faz para conciliar a Carla de ontem e hoje?

Leia também:  Irene Soria Guzmán e os desafios do hackerfeminismo

Acredito que isso acontece porque a época do Cheiro foi tão marcante para muitas pessoas que fica difícil se desligar daqueles momentos de alegria, festa, paquera, euforia musical. Muitos desses fãs não conhecem os meus trabalhos na carreira solo. Já os fãs que me acompanham, apreciam os diversos projetos e prestigiam os shows com esses repertórios específicos. 

A música baiana possui uma variedade incrível de propostas. O que você está escutando da nova geração de artistas? Qual avaliação você faz do cenário artístico nos dias de hoje?

Na Bahia há tantos músicos, compositores e intérpretes maravilhosos nas diversas regiões e gerações. Desde Caymmi, Caetano, Gil, Moraes, Armandinho, Gerônimo, Luís Caldas, Orquestra Sinfônica da Bahia até chegar à Saulo, Larissa Luz, Baiana System, Neojibá passando pelo blocos Afros e grupos de pagode.

É difícil falar de nomes sem negligenciar deixar muitos talentos de fora. Um fato que precisa ser pontuado é que Salvador conquistou o status de Cidade da Música pela Unesco, então para fazer jus a esse título precisa manter um investimento digno nas diversas manifestações artísticas e na educação / formação de novos talentos. Importante: a música não caminha sozinha.

A partir do convite (e recusa) que recebeu do José Ronaldo (DEM) em 2018 para ser candidata à vice-governadora, fiquei refletindo sobre a relação entre arte e política no Brasil. Muitos artistas declaram publicamente seus posicionamentos sobre a conjuntura. Qual sua orientação política no momento que vivemos? É possível separar nossas escolhas políticas dos projetos culturais que acreditamos?

Mesmo inconscientemente, todas as nossas escolhas são políticas. Eu ainda sou filiada ao PV por acreditar que a gestão pública, há algumas décadas não pode seguir desassociada das questões socioambientais. Sabemos que o desenvolvimento pautado em produção e aquisição indiscriminada de bens de consumo é socialmente injusto, politicamente perverso e ambientalmente insustentável.

Leia também:  Bernardo Aurélio e o amor pelos quadrinhos

 Há uma distorção de valores na gestão pública e uma inversão de valores na nossa sociedade, onde o ter é mais importante do que o ser, a aparência mais importante que a essência. Não só os projetos culturais, mas as instituições que nos associamos, os artistas que seguimos, os produtos que escolhemos comprar são reflexo dos nossos valores. Alguns exemplos… Uma marca que usa mão-de-obra infantil ou escrava deve ser boicotada; um gestor ou funcionário que manifeste qualquer tipo de preconceito deve ser punido; um artista que estimule a violência não pode participar e ser aprovado em editais públicos, etc.

Você se dedica no mundo acadêmico aos estudos em Ecologia. Como você despertou interesse pelo tema e qual o ponto de conexão com suas canções?

Sempre senti uma ligação espiritual com o planeta, Gaia, Pachamama, mãe Natureza. Me preocupava desde adolescente para onde vai o lixo, o esgoto … E de onde vinha a nossa água, o alimento e tantos produtos cada vez mais sofisticados. Com 50 anos de idade tive a chance de viver algumas mudanças na nossa sociedade e o surgimento do movimento ambiental. Inclusive enquanto cantora da Cia Clic tive a oportunidade de cantar na Eco-92 no Parque das Árvores Queimadas do Frans Krajcberg.

Impossível sair dessa experiência indiferente aos questionamentos do modelo predatório de desenvolvimento de boa parte dos países do planeta. No mesmo palco vi o show do Xangai cantando Matança de Jatobá e outros artistas com o mesmo apelo. Nós somos seres musicais por isso é impossível estar alheio aos poderes socioambientais da música. Como a MPB foi resistência no período da ditadura, nesse momento as canções de temática ambiental podem ser um meio de sensibilizar as pessoas, levando-as a refletir e agir em prol da vida.

Leia também:  .Entrevista com Jomard Muniz de Brito

Levando em conta sua preocupação com a saúde do planeta, que breve análise você faria da atual situação da política ambiental brasileira?

Não me identifico com o governo brasileiro atual, muito menos acredito nas políticas ambientais desenvolvidas por eles. Importante salientar que os governos anteriores até fizeram alguma evolução, mas ainda há muita desinformação sobre sustentabilidade e sobre o potencial das atividades econômicas focadas nas questões socioambientais. 

A pandemia interrompeu suas apresentações fora do Brasil. Como surgiram os convites para tocar em outros países? Entre Europa e Japão, como anda a recepção da música brasileira além-mar?

O mercado da música é muito competitivo. Por possuir uma estrutura limitada não conseguia manter os investimentos dentro do mercado do Axé. Então foquei em outras frentes com o apoio de alguns amigos, entre eles estão Daniel Rodrigues, que me levou para maioria desses palcos internacionais e Ricardo Pinheiro, mineiro conhecedor profundo da música brasileira e ocidental, que me convidou para fazer o projeto Pura Claridade – um tributo a Clara Nunes. A música brasileira é muito respeitada, no entanto precisamos investir mais em divulgação dos diversos gêneros da nossa música para ampliar a percepção do público brasileiro e do público em outros países.

O que você está planejando para nós em 2021?

Ainda continuamos confinados, então gostaria que os meus fãs de ontem e de hoje conhecessem, prestigiassem e divulgassem as minhas obras musicais. Os projetos Carla VisiTA Gilberto Gil – Só chamei porque te amo e Pura Claridade – Um tributo a Clara Nunes se encontram disponíveis nas plataformas digitais.

Por isso no momento estou me empenhando para disponibilizar também os projetos independentes: Por todo canto, Carla Visi e Eu, Encanto Mestiço (músicas e vídeos). Por enquanto essas obras se encontram no YouTube para simples apreciação, porque preciso atualizar as liberações autorais. Depois de tudo regularizado, pretendo fazer lançamentos nas redes sociais para trocarmos ideias sobre esses trabalhos. E claro, muita fé que dias melhores virão e voltaremos a nos encontrar nos palcos do mundo.

Imagem de abertura: arquivo pessoal.

1 comentário em “Carla Visi e os diálogos entre música, política e ecologia”

  1. Profa Carla Visi, Bom Dia!
    Quero convidá-la para realizar palestra aos meus Estudantes do Centro de Ensino Médio Taguatinga Norte – Brasília – DF, sobre as questões de Ecologia Humana e Meio Ambiente.
    Aguardo o contato para iniciarmos uma programação com os meus Estudantes para a semana de 1 a 7 de junho – Semana do Meio Ambiente.
    Grato pela atenção e disposição.
    Fiquem todos com DEUS.
    Att.,
    Prof. Davi Silva Fagundes
    Contato: (61) 984530308
    E-mail: [email protected]

    Responder

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!