por Aristides Oliveira
Meu primeiro contato com o som do Boy foi na cozinha da minha antiga casa, há 21 anos atrás. Minha prima (Mônica) falava de música, e desde muito cedo me interesso pelo assunto. Foi aí que ela comentou do “Tiroteio”, que lançou o “República Federativa Brasil Pavão”|1997| (aliás, trabalho pouco explorado por nós e mais atual do que nunca). Escutei na época e achei sensacional, até hoje a impressão é a mesma.
Ele tem ouvido afiado. Boy é multi-instrumentista e compositor que circula por vários gêneros (lundus, valsas, leseiras, sambas de roda, cavalo piancó, folias de reis, bumbas meu boi, reisados, cocos, paus de fita, xotes, baião, forrós) e instrumentos como violão, sax, percussão, cavaco, entre outros.
Além de atuar com música para o teatro, se articula no projeto “Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo” (SESC-SP) e já dividiu palco com nomes importantes: Zeca Baleiro, Chico César, Dinho Nascimento, Otto, Cordel do fogo Encantado.
Fundador do bloco Jegue Elétrico, agita o carnaval de São Paulo.
Após transitar por Portugal, Espanha, Inglaterra, Japão, voltou com o projeto “Antídoto”, CD marcado por parcerias que vão de Paulo Leminski a Pedro Rocha.
O que mais curto no Boy é o espírito de receptividade e acolhimento. O conheci em São Paulo, nas baladas de 2017, no Espaço Lâmina, depois rolou um recital madrugada a dentro na sua casa e foi bom demais! É um cara muito massa, lá de Oeiras (PI), gente boa e uma referência sonora que precisamos ouvir e vivenciar.
Boy não é aqueles artistas cheios de protocolos e cerimônias, ele tá na rua fazendo e acontecendo.
Minha amiga, meu amigo, com Boy é só chegar. Dá uma sacada nesse papo que trocamos sobre vinil, música, projetos em andamento, reconhecimento artístico e por aí vai...
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Me fala um pouco como era a movimentação musical em Teresina nos anos 90. Como você estava situado nesse contexto?
Teresina sempre teve uma galera muito criativa, muito focada em criar coisas. Então em 90 tinha uma galera com muitas bandas de rock and roll. Os caras faziam shows no Centro de Convenções, Teatro 4 de Setembro e a galera de música popular brasileira também era engajada e junta. Tocava em vários bares e tinha muito com música ao vivo. Teresina tinha essa qualidade. As pessoas gostavam de ir para ouvir quem tivesse tocando nos bares. Era uma coisa boa. Então, tinha uma efervescência cultural. Uma coisa que não rolava era as rádios tocar música feita no Piauí, uma coisa que não era legal.
Você e o André Luis eram proprietários da Bebop, loja de discos até hoje comentada por aqui. O que levou vocês tomarem a iniciativa de abrir a loja em Teresina? Quanto tempo ela durou?
A gente tocava na banda instrumental Haja Sax, junto com o Júlio Medeiros e Bebeto. Nós tínhamos carências de muitos títulos de discos, não chegava em Teresina para a galera discos e camisetas alternativas, bonitas, de rock and roll. A gente via foto das pessoas em revistas nacionais e internacionais e tinha uma geração que estava curiosa e carente por ter essas camisetas e discos.
Daí a gente teve a ideia de montar essa loja e durou uns dois anos e meio. Comprava discos em São Paulo, eu viajava duas vezes no ano e pedia, se alguém tivesse interesse em algum disco e importava de onde tinha.
Que lembranças vêm a mente em relação ao público consumidor na loja? Conta alguma história curiosa que rolou na Bebop ao longo da sua duração.
O público que frequentava a loja, a maioria era ligada ao rock. A loja ficava no Centro e era bem acessível. Passava muito ônibus na frente e dia de sábado e domingo lotava. Era impressionante a quantidade de jovens que subiam as escadas para ir na loja e a galera das outras lojas ficavam impressionada como subia gente lá.
Então, eles também ficavam curiosos. Era bacana ver a animação da galera. A gente anunciava a chegada dos discos com propaganda em rádio. A criação da loja foi um negócio diferenciado. Tinha um programa de rádio chamado Antena Jazz (na Estação Antena 10) e era uma seleção de músicas instrumentais que promovia a Haja Sax.
A banda estava chegando ao fim, decidi morar em São Paulo e decidimos fechar a loja.
O que levou você ir para São Paulo? Quando foi isso que tipo de desafios enfrentou no início dessa jornada?
Eu tinha minha vida no Piauí e trabalhava na Caixa Econômica Federal na época. Todos os anos eu vinha pra São Paulo passar as férias aqui e vinha para estudar sax, ver shows, ir ao teatro. Eu tinha uma inquietude cultural muito grande. Em Teresina era muita pequena essa vivência. Eu vinha pra cá com a agenda pronta: a hora do saxofone, shows, andar nos bares alternativos. São Paulo é uma espécie de Nova Iorque, Paris, Berlim.
Tinha muita vontade de morar aqui. Esgotou-se muita coisa minha aí (Teresina) e não tive alternativa. Minha saída foi vir mesmo, já que eu tinha passado mais de dez anos. Cheguei aqui para evoluir mesmo, tanto profissionalmente e pessoalmente. Buscar novos ares, informações, contatos nessa cidade cosmopolita. Uma cidade que amo muito.
Fala um pouco do projeto Tiroteio. Vocês ficaram juntos por quanto tempo? Brasil Pavão ainda é um som atual?
Eu entrei na Tiroteio depois de uns quatro anos de existência. Eu trabalhava como diretor de teatro e tocava num bar chamado Poemia, que misturava poesia com música e circulava muitos poetas, músicos e artistas de teatro e nessa época conheci um diretor teatral chamado Sérgio Penna, inclusive hoje ele e um preparador de atores da rede Globo.
Ele torcia para o Santos conhecia a banda, formada pela Turma Jovem do Santos e eles têm um movimento cultural muito grande. Ele me apresentou a galera, eu curti e entrei na banda. Eu tenho um estúdio em São Paulo e puxei a banda para ensaiar aqui e a tocar nas casas noturnas mais famosas da cidade.
A gente conseguiu que Os Titãs gravassem uma música da gente “Eu não aguento, eu não aguento”. Conseguimos um contrato com uma gravadora para gravar o CD. A gente é da mesma geração do Skank, Planet Hemp e outras bandas. Abrimos os shows do Titãs em várias capitais do Brasil: Rio, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre. Por causa de brigas internas e integrantes com o ego da fama fizeram a banda acabar.
O som da Tiroteio e as letras são muito atuais. O Brasil continua Pavão. Ainda mais agora, com esse governo idiota que esta aí.
Muitos artistas sonham pela visibilidade. Alguns chegam a dizer que o público no Piauí não valoriza a cultura e os realizadores se colocam numa fala “periférica”, beirando o vitimismo folclorizado. Você acredita que, para ser um músico reconhecido é preciso sair do Estado?
Cara é complicado essa circunstância de você morar no Piauí e ser conhecido no Brasil inteiro. Agora, tudo é muto relativo. A primeira coisa para um som dar certo é ele ter alma, sabe? Não dá para querer fazer música se pautando em sucesso dos outros: “vou fazer uma música parecida com Lulu Santos, Paralamas, Legião Urbana”. Você tem que fazer um som autêntico e ter um padrão de qualidade nas gravações.
O fundamental é o som ter alma e sotaque.
Hoje em dia com acesso a vários formatos de informação e transmissão, você pode pegar nome morando em qualquer lugar do país. Isso aí rola com certeza. Agora é um esforço muito grande, porque você tem que trabalhar com todas as linguagens e antenado com todas as coisas que passam nas redes.
Tem ficar muito ligado. Tem que trabalhar muito!
“A música de Emerson Boy é tão híbrida e mestiça quanto o autor, e se manifesta na soma de referências nordestinas, de reggae, pop, rock, floclore brasileiro, e assim por diante”.
Pedro Alexandre Sanches – Carta Capital
Ainda hoje rola de você morar no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, Recife, Salvador e conseguir aparecer, você será notado mais rápido. Eu aconselho muito gente a ter a experiência de morar fora do Piauí. Aí, a média em relação conceitos e coisa de família, amigos, todo mundo enaltece demais. É bom você ter a experiência de vir aqui e morar num lugar maior para saber a real situação do seu trabalho, do que você faz.
A pessoa amadurece muito com o contato com outros artistas. A galera mora por aqui, os grandes artistas moram por aqui. Se você quer ter uma carreira e crescer com ela é importante sair daí.
Que sons vocês está produzindo agora? Que parcerias estão rolando por aí?
Cara é o seguinte: eu tenho trabalhado bastante com teatro e cinema. Faz quatro anos que trabalho com cinema junto com o compositor Livio Tragtenberg. Tô com um disco pronto para jogar, está faltando mixar as músicas, mas está pronto no estúdio. Eu quero lançar no próximo ano (2021).
Estamos passando por esse momento muito difícil e aproveitei para dar uma guaribada no disco aqui. Andei produzindo umas cantoras novas e pessoas que boto fé que, de certa forma estou torcendo para que evoluam e sejam percebidos. Estou planejando minhas viagens que faço constantemente para fazer meus shows.
Dependendo da vacina aí, estou com agenda de shows para Berlim, Espanha e Portugal.
Há uma possibilidade de fazer um trabalho na Suiça com o Lívio e outro compositor de Belo Horizonte, Marco Scarazzatti, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ele trabalha com músicas bem diferenciadas, experimental. A gente deve fazer uma turnê pela Suiça.
Eu tenho um bloco de carnaval (Jegue Elétrico) grande aqui em São Paulo que fez 20 anos. Estou produzindo o trabalho do bloco, fazendo eventos, shows e convidando artistas, como o Zeca Baleiro, Chico César, Paula Lima. Quero ampliar esse leque de possibilidades. A Tulipa Ruiz topou participar do evento com a gente e tô chamando a galera para participar.
É isso aí.
Tô na ativa! Mandando bala e sonhando muito e acreditando no meu trabalho.
Crédito da imagem de abertura: Birão Ramin